Um dia enfio as unhas na carne e arranco de lá de dentro a consciência.
Um dia raspo os cantos da alma com a ponta dos dedos e lavo-os com a água
corrente da chuva para que se desfaçam. Um dia cuspo de mim a culpa e encho as
entranhas com pedaços velhos de cartão gasto.
Quando o ruído se tornar ensurdecedor e demasiado doloroso debaixo
do peito silencio por fora o próprio silêncio. Quando o peso me começar a curvar
os ossos e as vontades dispo-me de mim. E abro a jaula onde encurralei a língua,
já contida em tumulto, e os gestos, que sufocam em agonia na inutilidade das
normas.
Nesse dia rompo com a coerência e perco o juízo. Nesse dia
enfio a tolerância num saco, juntamente com a solidariedade, a boa educação, as
convenções e os protocolos. Bem atados para não libertarem odor ou suscitarem
compaixão. Nesse dia liberto a raiva asfixiada com cautela e dou azo aos
delírios.
E depois, em vez de me encher de cansaços e angústias,
mando-vos a vós, e às vossas cobranças, todos à merda. Em uníssono e simultâneo,
para que não se sintam sós.
Em vez de uma mão estendida, ofereço-vos logo as duas. Em
forma de sopapo no meio do focinho e da vossa moral.
E, antes que as convulsões e os vómitos me forcem a
bolçar-vos ainda em cima tudo o que realmente penso, entrego-vos a ausência, a
paz e o sossego que tanto auguro.
Ai, quando esse dia chegar…
5 comentários:
http://www.youtube.com/watch?v=Bpzxf_flm8M
quando esse dia chegar... publique essa poesia/crônica. Muito boa!
Obrigada.
Abraço :)
espero que nos conte...
Adorei este outro mundo.
Um grande abraço
Seja, então benvindo.
E o meu obrigado.
Abraço :)
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