21 março 2018

isto não é um poema

Nunca escrevi um poema. Mal me alcançam os dedos, as palavras arrancam em debandada, fugidias, até ao final das linhas. Atropelam-se - afoitas, desordeiras, desnorteadas – numa corrida de sedução pela virgindade do papel. Querem-se pioneiras na conquista. Desordenadas, encostam-se umas às outras. Abraçam-se. Forçam-se. Amontoam-se. Fogem-me das mãos. E só param, em tropeço, quando lhes deito um ponto à frente. Aí alinham-se. E eu faço parágrafo.

Presas por um baraço ao silêncio dos lábios, pendem aos vendavais ou calmarias, imunes à coerência. Não dão poemas. Não são canção. Mas, se se soltam, arrastam-me o mapa da alma para um discurso sem crivo. Embriagam-se e expõem-me. Desenfreadas, revelam segredos. Sem filtros, desmascaram-me. As palavras. Só ao parágrafo me respeitam.

Nunca escrevi um poema. Nunca soube dosear as letras. Não tenho como condutar as frases. Nunca sei quando é o fim. E de nada quero só metade. Saciar-me-ia, sem este arremesso sombrio de manchas negras, se lhes soubesse tomar o peso. Não tendo como sabê-lo, exijo espaço. E tinta. E, como elas, digo tudo, tal comboio prestes a descarrilar. As palavras, paridas sem forma certa, nunca sabem o seu lugar.

Quis escrever-te. Poesia. Céu e chão. Ar e asas. Lua. Estrela. Amor-poeta. Eclipse. Mundo. E eu a viver em ti. Mas nunca soube escrever poemas. Talvez porque o poema já exista. E, sem lhe deitar um ponto à frente, sejas tu…