30 março 2013

beijos

Perdi uma remessa de beijos num dia destes. Três pares perdi eu, assim de repente. Sim, três pares. Seis. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Seis beijos gastos, desperdiçados, desaproveitados, entregues à solidão e ao desamor. Seis beijos arrancados de mim, sem hora para voltar. Senti-lhes a falta assim que partiram.

Às vezes dói.

Acho que era segunda-feira. De certeza que era segunda-feira. Perco sempre à segunda-feira. Perco horas de sono. Perco tempo. Perco a paciência. E esta semana perdi beijos. Uma quantidade ridícula deles. E se há coisa que, em circunstância alguma, se deve perder são beijos. Beijos. Porque perder beijos, deixá-los escapar sem razão, abandoná-los sem nexo é perder pedaços de vida. E pior do que perdê-los assim avulso é esbanjá-los aos pares, como se fossem infinitos, ilimitados, prescindíveis. Se há coisa que me irrita é a estupidez.

Podia tê-los soltado ao de leve, pelo canto esquerdo dos lábios, metade assimétrica que roça suavidade em pele que não é minha. Os beijos entregues aos pares começam sempre do lado esquerdo. Ainda assim, estou certa de que voltariam. Ou podia tê-los cravado, redondos, cheios, fartos, no meio das bochechas. Um de cada vez. De um lado e do outro. Com risos a desapertarem-se, sonoros, do espaço morno que fica vago entre a carne. Também eles voltariam.

Mas não. Claro que não!

Os beijos que perdi morreram sem história. Foram beijos perdidos no ar. Beijos que perderam, também eles, a alma. Beijos que escaparam sem vontade, oprimidos, e que foram lançados já sem norte. Beijos condenados. Beijos moribundos. Beijos que ficaram pendentes na ausência de afectos. Beijos que sucumbiram à vala entre dois corpos.

Assim perdi seis dos meus, em três rostos diferentes, na segunda-feira passada. Lamento-o. Fazem-me falta. Todos os beijos me fazem falta. Porque são eles equilíbrio, balanço, simetria. Paralelismo, harmonia. Porque não há beijos sós. Não há beijos sozinhos. Porque, ainda que singulares, não são criaturas ímpares. Todos eles têm metades iguais com quem se cruzam uma única vez. Sempre que um beijo se liberta há um outro, gémeo, que se cola ao peito. E é por esse instante efémero que todos eles esperam uma vida inteira. Desperdiçar beijos devia ser crime.

Sofro hoje de um défice desmedido de beijos. O saldo negativo tem o peso de algemas agarradas aos pés. A dimensão da carência faz os músculos minguar entre os ossos. E se a rigidez se instala nunca mais o corpo é vivo. Se a matemática não me mente existe algo a que chamam o fenómeno mágico da multiplicação. Um par de bocas desta vez. Um par de línguas. Dois pares de lábios. Encaixam-se, contorcem-se, ajeitam-se. Beijos demorados. Beijos quentes. Beijos doces. Beijos gordos. E aí, sim, de uns nascem outros, sedentos mas sem pressa, a matar a fome.

Pode ser?