24 dezembro 2010

cólera

Devia ter frio. Mas aconchego a nudez do corpo na suavidade dos lençóis. Devia ter os pés gélidos. Mas deixo-os roçar, famintos, um no outro. Devia ter as mãos enregeladas. Mas sinto os dedos a esculpir um rasto de suor que não é meu. Devia curvar a carne sobre si própria na ânsia de me aquecer. Mas descontraio os músculos e envolvo os membros num tango de provocação e controlo.
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Devia unir as mãos e vaporizá-las com o bafo cálido da boca. Mas cravo as unhas noutros poros, e rasgo pele, enquanto um fôlego ardente me impulsiona nos lábios o desejo. Devia enroscar os braços ao peito e protegê-lo. Mas prendo-os sem contestação e cedo à entrega. Devia apertar as coxas e cruzar as pernas. Mas liberto uma crueza vil e primitiva. Cólera. Fúria. Ira. Tensão. Tréguas. Rendição.
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Flutuo.
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Intensamente. Sofregamente. Sequiosamente. Avidamente. Avassaladoramente. Descontroladamente.
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E enquanto a chuva escorre para lá das margens destes corpos há um odor a sedução a acalentar os instantes que antecedem o pousar, exausto e sereno, do rosto sobre a almofada.
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Efemeridade.