25 abril 2013

abril

Espero Abril o ano inteiro. E depois vejo-o passar, deixando-me a culpa nos braços. Carrego-a junto ao peito como a um bebé choroso que precisa de berço. Embrulho-a numa manta de arrependimentos, tecida em paciência mórbida no andar monocórdico dos dias. Abril passa e eu cá fico, com o mesmo acenar vazio e desengonçado, lambendo um gosto amargo a saudade.
 
Espero Abril o ano inteiro com os olhos carregados de esperanças e as mãos entorpecidas no cansaço dos bolsos. Fosse o fado justo e ter-me-ia lançado ao mundo mais cedo. Não me trocasse a cronologia as voltas e teria talvez tido alma a unir os ossos. Erros crassos que me ditam a sina.
 
Vejo Abril passar como uma corrente de ar a atravessar o frio dos calabouços onde guardo a minha liberdade. Ataques de pânico a aprisionar-me dentro da minha própria mente. E se os fantasmas me pousam nos olhos encerro-me ainda mais em angústias. Não avanço nem recuo, neste encosto morno a que me acomodei.
 
Vejo Abril passar e agarro-me com força à solidão que me afasta do medo e do abismo. Só ela me liberta e consola, entre os muros que vou erguendo contra o exterior. Vejo Abril passar deste mundo almofadado onde o teu abraço me esconde, acaricia e protege.
 
Abril és tu, mãe, todos os dias, a amparares-me as quedas.

23 abril 2013

indigestão

Engoli um sapo. Feito pioneiro no tempo que soma a minha existência. Engolir, um dia, um sapo era, há muito, destino mais que anunciado. Ainda assim, foi doloroso. Há lá manual que nos prepare para tal coisa! Engoli um sapo e custou-me. Foi um acto isento de livre arbítrio, tendencioso, mal ponderado. Ainda estrebuchei um bocado antes de o meter à boca. Garanto que batalhei. Mas a poder de lágrimas o bicho lá me desceu pela garganta. Arrepiei-me. Arranhou-me a traqueia. Arrepanhou-me pedaços internos de pele. Queimou-me a carne. Fez ferida. Deu-me azia.

Engoli um sapo e senti náuseas. Perdi as forças e cambaleei. Agachei-me para poder suster a cabeça entre as mãos e os joelhos, não tombasse ela com o veneno. Vieram-me os vómitos à língua, o azedo aos lábios. Senti o ácido a corroer tudo quanto era pedaço de mim. Tive dores no estômago. Pressão no crânio. Batimentos cardíacos acelerados. Tremores nos membros. Desequilíbrio. Tonturas. Suores frios. Agonia.

Engoli um sapo. Era amargo. Amargurou-me. Adoeceu-me. Levou-me ao hospital e deitou-me, por dias, numa cama. Chupou-me a energia. Matou-me os graus de verticalidade. Tornou-me casa e cal, abraço horizontal forçado, apoiado de lado para não cair. Verteu de mim um mar de sal. Calou-me a revolta. Plantou-me vergonhas no peito. Mudou-me a forma. Vergou-me. Escrutinou-me de dentro para fora. E forçou-me a viver com isso.

Engoli um sapo e a digestão parou. Tive insónias dias a fio. Mal-estar. Tumultos a correr nas veias. Carreiros de formigas a entorpecer-me a voz. Garganta seca. Inchaços. Dedos dormentes. Fúria contida. Rouquidão. Dor.

Passou uma semana inteira e o malfadado verme continuava a sufocar-me dentro de mim. Andei, andei, já sem poder. Cuspi-o de uma só vez. E o histerismo e a loucura e a insanidade lá me repuseram o ar nos pulmões. Há, contudo, males que não passam de um momento para o outro. Há marcas que ficam muito depois das cicatrizes desaparecerem.