15 janeiro 2014

ecossistema

Desenharam um perímetro quadrado à volta do mundo. Ergueram-lhe em cima quatro andares. Lacaram as janelas e cerraram as portas. Alçaram barreiras e pontos de controlo. Vestiram sentinelas à entrada. Atribuíram a cada elemento um código e aniquilaram-lhe a individualidade. Desinfectaram-lhes o cérebro com lixívia e rasparam-lhes, a espátula, os restos tanto da alma como da memória. Depois adornaram de silêncio os corredores. Foi só esperar!
 
Fecharam o mundo à passagem do universo e eu não me apercebi. Criaram um ecossistema e baniram-no da influência das estações do ano. Forjaram a dinâmica imparável da vida. Conceberam um protótipo e dedicaram-se à reprodução sistemática de uma única espécie. Inventaram um dialecto e estabeleceram leis irrevogáveis. Fizeram propagar um sistema hierárquico assente na perpetuidade. As raízes cresceram. E depois foi só esperar.
 
Redesenharam o conceito de sociedade, de onde deportaram de imediato o livre arbítrio. O bilhete, que era só de ida, tinha selado a azul o espaço branco destinado à democracia. Não havia também vaga para a justiça ou a igualdade. O edifício eleva-se, contudo, no centro da metrópole como o presídio mais imponente dos tempos modernos. Foi só esperar!
 
Os bichos desenvolvem-se, confinados à rijeza sórdida das normas. Adaptam-se. E, quando se multiplicam, são mais dos mesmos. Exemplares-padrão, imaculados por fora, pútridos por dentro. São registos sonoros, sem alma ou memória, que repetem a ladainha sem balbuciar. São víboras que se esqueceram que a função do veneno era proteger e não atacar. Incapazes de vencê-los, juntaram-se a eles. Foi só esperar!
 
Cerraram o mundo às portas do universo e eu não me apercebi. Às vezes tenho medo que seja apenas uma questão de tempo.