04 janeiro 2018

mãe

No dia em que fiz 18 anos a minha mãe enviou-me uma sms. “As dores do parto passaram. As do crescimento serão eternas. À minha menina o amor próprio desta mãe. E os beijinhos que, espero, transmitam uma sempre elevada auto-estima. Que consigas ler nos meus olhos as palavras de ternura que não consigo dizer-te.”

A minha mãe é uma mulher miudinha. Sobra-lhe em atitude tudo o que lhe escasseia em tamanho. A minha mãe enfrenta o mundo directamente nos olhos. E se ele não se amaga perante a imensidão da sua verticalidade, ela ergue-lhe o peito e alça-se nele. A minha mãe é mulher para impor respeito ao universo.

A minha mãe rodopia sobre si mesma quando ouve uma música de que gosta. Às vezes pego-lhe nos braços e dançamos juntas. Às vezes imagino que o faço. Um dia dei com ela embalada pelo Frank Zappa. Minutos depois pasmava-se a ouvir um grupo de charolas algarvias. Antes costumava cantarolar pela casa. E nós, por força da estupidez da idade, reclamávamos da escolha recair sempre no fado. Hoje falta-lhe a voz mas não a postura.

A minha mãe é a maior muralha alguma vez erguida. A vida bem que a defronta mas embate algum abala a solidez dos seus alicerces. Às vezes noto-lhe as fendas nos olhos pequeninos cor de amêndoa. Vejo-lhe o peso nos ombros franzinos. Mas a força, ah!, essa é a de uma carga inteira de cavalaria.

O colo da minha mãe é revestido de silêncios. Mas o seu afecto, também ele de poucas falas, transcende a extensão de mil abraços. Um dia perguntaram-lhe se eu era normal. Ela respondeu à letra. Mas foi num ataque de riso, repleto de orgulho, que mo contou. Ainda que nunca o digamos em voz alta orgulhamo-nos da anormalidade uma da outra.

A minha mãe é a mais sábia de todas as mulheres. É também a mais bela. Tem sempre resposta para as perguntas que nunca faço. Em vez de amor chama-me cromo. E quando sorri tudo o que existe sob o Sol se alinha em sintonia.

A minha mãe faz hoje anos e eu só disse que a amava uma vez. Que também ela consiga ler nos meus olhos todas as palavras de ternura que não tenho como dizer-lhe.

Sem comentários: