Presas por um baraço ao silêncio
dos lábios, pendem aos vendavais ou calmarias, imunes à coerência. Não dão
poemas. Não são canção. Mas, se se soltam, arrastam-me o mapa da alma para um
discurso sem crivo. Embriagam-se e expõem-me. Desenfreadas, revelam segredos.
Sem filtros, desmascaram-me. As palavras. Só ao parágrafo me respeitam.
Nunca escrevi um poema. Nunca
soube dosear as letras. Não tenho como condutar as frases. Nunca sei quando é o
fim. E de nada quero só metade. Saciar-me-ia, sem este arremesso sombrio de manchas
negras, se lhes soubesse tomar o peso. Não tendo como sabê-lo, exijo espaço. E
tinta. E, como elas, digo tudo, tal comboio prestes a descarrilar. As palavras,
paridas sem forma certa, nunca sabem o seu lugar.
Quis escrever-te. Poesia. Céu e
chão. Ar e asas. Lua. Estrela. Amor-poeta. Eclipse. Mundo. E eu a viver em ti. Mas
nunca soube escrever poemas. Talvez porque o poema já exista. E, sem lhe deitar
um ponto à frente, sejas tu…
2 comentários:
Adorei. Reportou-me a certa altura para algo que rebisquei:
"Nunca poderei encontrar uma forma de concluir esta frase, que não seja através do facto de não a ter.
Ei-la portanto, meramente suspensa, apesar de contrariada pela pontuação.
Acontece, não tanto pelo vago das palavras escolhidas, mas pelas amarras da exatidão.
A impermeabilidade resultante de certezas dicotómicas, devasta a hipótese de mergulhar sinceramente na transparência.
Por isso me cai a noite constantemente, ainda que sejas manhã."
https://penadeferro.blogspot.co.uk
Vénia.
Marco Ferro.
Isto não é um comentário: em matéria de Arte, é coisa dispensável, se possível a evitar. Serei muito básico, mas prefiro deixar-me ficar pelo nível da sensação, quando muito o da emoção. Ou me enriquece com algo de novo, ou não me diz nada. Ou seja: gosto ou não gosto.
A que vem este arrazoado? A propósito deste não-poema.
Não é um poema? Pois que assim seja. Mas olho o que parece serem palavras e vejo vida, acção, inquietação. Olho e vejo dança, movimento, acrobacia, magia. Vejo um bailado. E, digam-me o que me disserem, não vejo desordem alguma, antes uma coreografia, talvez com um toque de improviso, sim, mas conduzida por mão de mestre. Imagino ouvir uma voz lendo em surdina, só para mim, e escuto música. Aqui, chego à emoção, e não me interessa o porquê. Gosto. É belo, é Poesia. E admiro.
“isto não é um poema”. Não fosse o título e não passaria deste ponto. Último ponto final, sem parágrafo. Mas fito-me frente a frente e vejo um sinal de interrogação: o que é Poesia, o que é poema? Onde a diferença, qual a distância? Vejo que não sei. Relembro: li os Sonetos, redondilhas, vilancetes, senti Poesia; fui obrigado a ler Os Lusíadas, olhei o poema, e vi versos, estrofes, métrica, trabalho laborioso; não me recordo de ter visto muita Poesia. Estarei certo? Não sei nem me interessa. Sei que foi assim, e nunca soube dizer por quê.
Sei que a Poesia é antiga, pelo menos tão antiga quanto o Sapiens; com toda a certeza ainda mais. E o poema? Ensinaram-me que, pelo menos entre nós, só começa em Gilgamesh ou nos Homeros. Ouvi dizer que o poema procura a fusão da palavra com a música. Sim, mas com que finalidade? Não será apenas uma questão de técnica de expressão, um artifício? Talvez não seja mais que mnemónica.
Resumindo e concluindo: onde a importância de nunca ter escrito um poema? Não é a Poesia o primordial, o essencial? E ela está aí, transbordante.
Releio estes últimos parágrafos e parece-me ver nada mais que um bom chorrilho de pequenos dislates. Com toda a sinceridade: sinto falta de uma boa explicação, de preferência vinda de alguém que conheço e que, por entre canções, respira Poesia. Que talvez seja a Autora...
(Ora pois! ...em boa verdade se diga que, sendo a poeta uma fingidora, vamos continuar à espera do dia em que, mais tarde ou mais cedo, iremos ler em título: “isto é um poema”).
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