05 outubro 2012

I... II...


I

Podes sussurrar-me segredos ao ouvido. Assim baixinho. Entre suspiros. Podes lançar-me palavras ocultas entre a multidão, ciente de só eu entender a sua magia. Podes revelar-me os teus intuitos. E eu conto-te, sem reticências, como me irrompeste pelos sonhos.

Fala-me de ti. E eu entrego-te a palma da mão como caminho livre para a alma. Fala-me de mim. E eu digo-te quem sou, se o quiseres saber. Lembra-me de mim para que eu não me esqueça. Contas-me histórias?

Entra sem pressas. Sou jovem. Tenho tempo e sei esperar. Entra como quiseres. Que o meu ritmo se encaixará no teu. Mas não te cales. Por favor. Não te cales. Não deixes os murmúrios passarem a silêncios. São eles que, hoje, me afastam dos abismos. São eles que, hoje, me elevam para mais perto de mim.

Podes vir como quiseres. Eu espero. Estou aqui. Com a água fervida e os grãos já moídos a cheirar ainda a quente. Com o aroma a desejo a invadir o tempo enquanto não me chamas. Já cá estou. Com os poros humedecidos a aguardar-te os lábios. Quando quiseres…


II

Sim. Eu sei que ainda não chegaste. Sim. Eu sei que não estás aqui. Mas deixa que a loucura seja ainda maior e ouve-me. Que mal fará? Deixa-me falar contigo. Deixa-me falar-te. Deixa-me dizer-te coisas banais. Deixa-me falar-te do dia. Deixa-me dizer-te que o tornaste hoje mais leve. Deixa-me falar-te das horas. Deixa-me dizer-te que foram hoje mais curtas.

Podes escutar-me no silêncio? Consegues ler-me os olhos e ouvir o que não digo? Ouves? Ouves-me?

Quero o corpo no teu colo. Só. Mesmo que aqui não estejas.

Posso falar-te do tempo e do cansaço? Do desconforto e da insónia? Da solidão e do desânimo? Posso falar-te de sonhos e fantasias? De risos, batalhas e utopias? Posso falar-te do meu mundo sem certezas densas? Posso falar-te do meu mundo de verdades estéreis? Do que me atravessa sem me tocar? Do vazio?

Posso ser sonhadora? Posso contar-te que só o que escrevo me sai da alma? Que caminho sem sombra entre os outros, anónima e indiferente? Que acredito? Que não alcanço jogos nem percebo enganos? Que alinho num hoje sem duração definida? Posso?

Deixas-me dizer-te que quero o toque dos teus dedos emaranhados no meu cabelo? Que quero sentir-te o cheiro enrolado no meu? Que tenho caos e rebuliço por dentro? Que me sabes bem, mesmo que não estejas aqui?

Posso dizer-te tudo isto e abrir-te o peito como se te conhecesse? Só hoje?

Posso ter saudades de ti sem saber quem és?

3 comentários:

Tangerina disse...

[Doa amores que inventamos]

"O momento mágico do sinal vermelho, pára!, eu de um lado da passadeira, um grupo de sete pessoas no outro e tu. Sete mais tu. És o numero oito do lado de lá da rua. Quando o sinal abrir para os peões vamo-nos cruzar e fingir que nos vemos. É mentira, eu nunca te vi, não vou fingir outra vez. És um vulto nos meus sonhos, o sonho dos meus momentos mágicos, não existes, não obedeces a semáforos, pára!, nunca paras.

Nem nos sonhos te consigo agarrar.

Vou enfiar as mãos em duas latas de tinta, pintar com as palmas e com os dedos a tua cara, o teu corpo... Vou pintar o teu cheiro, acreditas? Sou capaz, sou capaz, sou capaz. Se tiveres corpo e cheiro, existes. Vou criar-te enquanto o sinal está vermelho, vou provar que há um oitavo gatafunho no grupo de sete pessoas. Sete mais tu. És o número oito, já disse. Olha bem para as minhas mãos, uma encarnada, outra negra – esquece a tinta – e vê como te tacteio e te esculpo no minuto antes do sinal abrir, dois segundos antes de acordar.

Pára!, desta vez , neste sonho, agarro-te."

LiSa disse...

As saudades que eu tinha de te ler...
A simplicidade do amor e do humor na erosão corrosiva das tuas palavras.
Obrigado, por mais este pedaço de ti.

Tangerina disse...

Não agradeças, LiSa.
Se te faço sorrir com esta espécie de humor que apenas alguns apreciam, eu é que te agradeço. Gosto muito de te ler, e, às vezes, parece-me que sentimos de forma igual o que escrevemos de forma diferente. Daí esta vontade de tocar piano a quatro mãos:)
Beijinho cítrico.