Pedi a mim mesma a mão. Leveza nos olhos e quietude nos
gestos. Deixara velas espalhadas, acesas, a entoarem cânticos e a exibirem sedução
na penumbra da cal. O botão preso no tempo e a música a desdobrar-se,
repetitiva, em lugares comuns. Eu a envolver-me nas sombras, sem me distinguir.
Eu já sem conseguir separar o princípio do fim.
Pedi a mim mesma a mão e agarrei-me a ela. Agarrei-me a ela,
provocante, sedutora, libertina. Agarrei-me a mim, frágil e descuidada. Tomei-me
nos braços e embalei-me, sem pressões, pudores ou vergonhas. Ri em silêncio.
Tirei da pele o telhado e da alma a aparência. E dancei. Dancei. Dancei. Sozinha
comigo.
Dancei comigo, sem membros presos ou vontades dormentes. Desembaracei
do peito os despojos moribundos e a agonia. Despejei da mente os nós, as
amarras e as mordaças. Esvaziei de mim o peso e a memória. Cuspi com ameaças os
pressupostos. Abdiquei das obsessões. Retive-me no contágio dos vícios. E
entreguei-me, sem vestígios de uma primeira vez.
Olhei para mim à distância, desenhada em movimentos
desconexos. Vulto escravo do efémero e da demência. Enfeiticei-me. Apaixonei-me,
consciente das imperfeições. Desinibi-me. Levei-me para longe, sem medo. Voei.
Aceitei-me.
E depois olhei para ti, sem lá estares. Olhei para ti como
se lá estivesses. Como se os meus olhos fossem os teus. Olhei para ti e tu sorrias.
E eu sorria contigo, sem disfarces. E, sem o saberes, dormiste comigo uma noite
inteira.
Se eu te disser que sim… Tiras-me a culpa de dentro?
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