04 outubro 2012

voo


Pedi a mim mesma a mão. Leveza nos olhos e quietude nos gestos. Deixara velas espalhadas, acesas, a entoarem cânticos e a exibirem sedução na penumbra da cal. O botão preso no tempo e a música a desdobrar-se, repetitiva, em lugares comuns. Eu a envolver-me nas sombras, sem me distinguir. Eu já sem conseguir separar o princípio do fim.

Pedi a mim mesma a mão e agarrei-me a ela. Agarrei-me a ela, provocante, sedutora, libertina. Agarrei-me a mim, frágil e descuidada. Tomei-me nos braços e embalei-me, sem pressões, pudores ou vergonhas. Ri em silêncio. Tirei da pele o telhado e da alma a aparência. E dancei. Dancei. Dancei. Sozinha comigo.

Dancei comigo, sem membros presos ou vontades dormentes. Desembaracei do peito os despojos moribundos e a agonia. Despejei da mente os nós, as amarras e as mordaças. Esvaziei de mim o peso e a memória. Cuspi com ameaças os pressupostos. Abdiquei das obsessões. Retive-me no contágio dos vícios. E entreguei-me, sem vestígios de uma primeira vez.

Olhei para mim à distância, desenhada em movimentos desconexos. Vulto escravo do efémero e da demência. Enfeiticei-me. Apaixonei-me, consciente das imperfeições. Desinibi-me. Levei-me para longe, sem medo. Voei. Aceitei-me.

E depois olhei para ti, sem lá estares. Olhei para ti como se lá estivesses. Como se os meus olhos fossem os teus. Olhei para ti e tu sorrias. E eu sorria contigo, sem disfarces. E, sem o saberes, dormiste comigo uma noite inteira.

Se eu te disser que sim… Tiras-me a culpa de dentro?

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