É a vida a pôr-me outra vez um pé à frente. A ferir-me outra
vez as canelas, numa dor acutilante que se alastra à profundidade do corpo. É a
vida a impedir-me de seguir em frente, pelo caminho a que me entreguei. A furar-me o mapa dos
intuitos e das vontades. A deixar-me perder.
É a vida a fazer-me parar e repensar os passos. A obrigar-me,
outra vez, a uma estagnação forçada, que sabe sempre à amargura do recuo. E eu
sem trunfos para trocar as voltas ao jogo…
São os outros a apressar-me a partida, sem que eu tenha tido
tempo de me habituar à chegada. São os outros a forçar-me a mudança, quando
estou ainda certa de querer ficar. É o vento que sopram a arrancar-me do chão a
bagagem, inibindo as raízes de crescerem.
Sou eu a questionar-me e a pôr-me em causa. Outra vez. Como
se a culpa fosse parte de mim. É a impotência e o desânimo a esconderem, sem aprumo,
a desilusão que me domina e atormenta. É o cheiro a injustiça a impregnar-se
nas veias e nos poros. São as insónias a roubar tempo à noite. E o silêncio a
enganar a revolta.
Sou eu com vergonha de mim e da minha ingenuidade. Sou eu a
deixar as esperanças caídas por onde passo. E a carregar no peito um pedaço ainda
maior de vazio.