Costumava escrever cartas. Escrevia-lhe cartas na ânsia quase
doentia de sufocar a saudade e suprimir a distância. Falava-lhe de sonhos e da
fome que urgia por dentro. Contava-lhe segredos e chorava-lhe alentos.
Murmurava-lhe desejos e dava-lhe a conhecer as vontades. Revelava-lhe a vida aprisionada
em caixotes e o lugar vago no lado de lá do colchão. Ia compondo promessas soltas
nos silêncios que sobravam entre as linhas.
Escrevia-lhe o mundo em forma de amor. E esperava.
Depositava palavras, frenética, no papel. Via as letras
mudarem de forma. As frases mudarem de sentido. O fio condutor alienar-se por
caminhos virgens. Agasalhavas-lhes a rebeldia, antes de dobrar as páginas e
lamber de esperança o selo no envelope.
Escrevia-lhe o mundo em forma de amor. E esperava.
Falava-lhe do pulsar do sangue, agitado, na ausência.
Descrevia-lhe o ar, áspero, que corroía as entranhas na demora. Quantificava as
dores mas envolvia-as sempre num tecido morno e colorido antes de as partilhar.
Dizia-lhe que as estações haviam mudado mais que uma vez.
Que o sol se punha mais perto. Que a lua abalara para longe. Que as insónias
estavam cansadas e a aridez exausta. Que o horizonte parecia sempre estender-se
para além do que já conhecia.
Escrevia-lhe o mundo em forma de amor. E esperava.
E depois atrasava o tempo. Forçava os minutos a parar.
Retinha todos os segundos. Deixava-os demorar-se, sem pressas, no sossego de um
futuro improvável. Enquanto a alma entorpecia, o corpo moldava-se à solidão. Aguardavam,
um dentro do outro, o amanhã que nunca chegava.
Escrevia-lhe o mundo e continuava à espera, rendida.
As fantasias haveriam por minguar. E um dia, quando a
memória a atraiçoou, enganou-se no endereço. Alguém lhe viria depois a
agradecer o tal mundo, narrado em tons de amor.
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