Os domingos sempre foram dias estranhos. Melancólicos. Nunca percebi se por antecederem o primeiro dia oficial de trabalho se por porem fim a um dedicado inteiramente ao lazer sem restrições. A verdade é que os domingos têm características próprias. O mundo gira de forma diferente nestes dias. É verdade.
Ao domingo sou igual a todos os outros dias do calendário. Percorro os mesmos sítios. Não mudo de aspecto nem me transformo. Não me esforço por aproveitá-lo melhor ou pior. Não tenho roupa domingueira. Como não tenho roupa de trabalho ou de sair à noite. Tenho a minha roupa. Ponto. Que serve para tudo.
O meu índice de prazer ao domingo mantém o mesmo nível quer saia de casa para aproveitar o sol ou a chuva quer mergulhe no conforto anestesiante do sofá.
Mas ao domingo há mais gente nas ruas. Estranhamente, com o mesmo síndrome de obrigação com que se vai trabalhar às nove horas de segunda-feira. Sai-se ao domingo porque é domingo. E o domingo é dia de ser aproveitado. Mesmo que à força.
Moro num prédio no centro da cidade. Mas tenho um quintal. Bem, não é bem um quintal mas é quase como se fosse. É um bar, acoplado a uma livraria, que fica ao virar da esquina. Mas é como se fosse um quintal, em que eu detenho uma fracção que divido com um punhado de estranhos. Não tem tecto. Mas tem árvores, flores e obras de arte. Tem mesas, cadeiras, almofadas e até mantas para as noites frias. Tem uma máquina de café e dois ímpares anfitriões. Se não tenho nada para fazer, cruzo a entrada do Pátio. E sinto-me como no meu próprio quintal.
Ao domingo, o cenário muda. Não o meu. Mas o dos outros. Há uma invasão de Henriquinhos, Bernardos e Guilhermes. Afonsos, Martins e Maneis. De Catarinas, Beatrizes e Marias. De pais e putos imaculados. De pais sérios e putos mecânicos, construídos à semelhança dos progenitores. Ao domingo os putos podem correr um bocadinho naquela espécie de quintal que não lhes pertence. Nunca serão, no fundo, putos a sério. Não têm bolas, berlindes ou peões. Não tropeçam nas pedras da calçada nem levantam poeira nas travessas. Não têm uma pontinha de ranho a correr-lhes do nariz nem cor de barro na ponta das unhas. Puto que é puto tem feridas nos joelhos e nódoas na roupa. Puto que é puto não se senta ao lado dos pais a beber um garoto nem pede para lhe sacudirem as migalhas do colo.
Confesso que me incomodam. Sinto que me invadiram a casa sem lhes trazer, ao menos, uma pitada de espontaneidade e agitação. E lamento-o. Lamento que o mundo dos putos que não são putos seja um lugar menos livre e genuíno para se viver. Mesmo ao domingo.