06 julho 2010

margem

Podia dizer que é exigente. Que implica esforço. Persistência. Perseverança. Firmeza. Vontade. Que envolve um processo metódico. Construído de raiz. Engendrado meticulosamente. Aperfeiçoado com aprumo. E adaptado à rigidez inata da necessidade.

Podia dizer que fui magicando o meu. Criando pedaços de uma história, mutável e infinitamente inacabada. Fabricando um alter-ego. Construindo uma personagem. Mas não. Não me ocupou espaço. Não me esventrou tempo. Não lhe dediquei um esquisso sequer da minha atenção, sempre sequiosa de diversidade.

Foco e desfoco incansavelmente o espectro deste caminho. Fomento e abandono a expectativa. Procuro uma nova meta a cada instante. Um novo ponto de partida. Um novo desafio. Talvez tema enfrentar a estagnação que me cerca. Talvez tema ver parada a imagem que se propaga no espelho. Mas talvez ela já lá esteja há muito. Imóvel. Sem que eu consiga distinguir qual do reflexos é o verdadeiro.

Talvez me mantenha presa por vontade. A menina que fui ainda chama. Ainda grita. Ainda me quer. E é tão confortável deixá-la acompanhar-me.

Não levo nada demasiado a sério. Não levo a vida demasiado a sério. Não a carrego como um fardo. Não a prorrogo. Não a propago. Permito que corra a meu lado. Ao meu ritmo. Ao meu desejo. Por mim.

Com o tempo deixei de medir palavras. Deixei de mediar decisões. Não sei se por convicção ou por fraqueza. Se por determinação ou facilitismo. Estripei as barreiras do bom senso. Afrouxei limites. Desleixei-me. Na esfera esquartejada entre o certo e o errado.

Deixei de me arrepender. E persisti na repetição dos mesmos erros. Acabei por afrontar os lamentos. De que servem quando os actos são tão regulares como a certeza de um relógio voltar às zero horas um segundo após o último segundo do último minuto das vinte e três?

Ganhei. Como sempre. Como sempre ganho quando luto comigo. E perdi. Como sempre perco quando me gladio. Depende apenas do ângulo com que me vejo. Venço e sou derrotada em simultâneo. É uma única alma em guerra. Que faz isso de mim? Alguém que ama em excesso ou em escassez? Alguém que se maquilha ou que exibe a imperfeição do rosto?

Talvez um dia saiba.

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