Durante anos sentiu-se naquelas terras a aridez da vontade divina, indiferente à indigência dos Homens. Durante anos entoaram-se cânticos e preces. Cortejos sairam à rua em noites secas e abafadas de Suão. Mulheres e crianças mendigaram aos céus o néctar que, abundante, mataria tanto a sede como a fome.
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Durante anos escasseou a água e o verde do chão. Minguaram os pastos, os frutos das árvores, os cereais dos solos. Acentuou-se a magreza dos bichos, alimento das gentes. Durante anos crescemos nós. Mais perto do Sol que do mar, que se assomava noutras paragens.
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Hoje vejo, noutros pisos, o regresso das noites de solidão vertical sob a lua. Respiro a frescura ausente de esterilidade. Hoje sinto distantes as idas à fonte em tardes de prosperidade. Tão distantes quanto a hora única diária em que se armazenava a água racionada nas torneiras. Hoje há fartura de recursos. Plenitude de conveniência. Abundância de comodidade. Vazia, no entanto. Fácil. Descomprometida. Falta devoção. Dedicação. Convicção. Ingenuidade. Amor.
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Faltam as camas compostas na tijoleira, sem outro aconchego que não os afectos, que refrescavam a morna sereridade dos corpos durante o calor do Verão. Faltam as mãos ásperas e gretadas da faina que ensinavam as nossas, delicadas e infantis, durante a apanha aventureira dos frutos da terra. Falta o companheirismo das brincadeiras tardias e inocentes de rua. Falta a partilha de casas e coisas. Porque lá, na vila que a reforma afastou do itinerário entre a capital e o turismo, todo o pouco era divisível. No fundo, apenas o egoísmo existia em insuficiência.
8 comentários:
montei-me nesse texto e fui para casa... cheguei numa tarde quente e sorri à cal que brilhava furiosa.
obrigado pela boleia ;)
Não tens de quê. Qualquer regresso ao imenso do Alentejo é bem-vindo.
Beijo.
Acho que ainda não te questionei isto antes: Tens a certeza que não queres escrever um livro?
É que cada texto que escreves é como se fosse para mim uma nova descoberta!
A sério, mais um que adorei!
Fica bem!
Lilly//*
Gosto desta despreocupação de escrever apenas por prazer. Obrigado, mais uma vez.
Abraço.
Gosto do teu blog :) não escreves mal;)ainda tenho o livro para te entregar... há, e voltei a perder o teu número, fico á espera que envies por sms e de um café que ainda não foi ...;)
Lisa!
já faz muito tempo que não escreves! não podes ficar assim tanto tempo sem nos deliciares com esses jogos de palavras que teimam em contorçer o juizo!!
não estou a cobrar mas que já dá saudades dá!
continuo á espera de resposta... sim quase que me atropelaste com o carinho do lixo ::::
Um certo dia que por lá passei
Podia ter aberto os maxilares
E de uma vez
Engolido
Aquele oceano de feno, palha e trigo,
Só para levar o sabor do Alentejo na boca.
Mas não o fiz e não me arrependo.
Limitei-me a observar
E com o olhar
As suas cores fui comendo.
Hoje em dia,
Para me lembrar,
Enterro as mãos na memória
E lambo os dedos…
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