Voltei a ler as crónicas de Miguel Esteves Cardoso. Apaixonei-me há anos pelos seus artigos, pela magia que incute a cada texto, pela simplicidade das palavras, pela naturalidade dos temas, pela ironia de algumas frases, pela verdade implacável de tantas outras.
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Lembrei-me dos tempos do DNa, o magnânime suplemento que acompanhava o Diário de Notícias à sexta-feira. Lembro-me de o comprar pelas primeiras horas do dia. Para apenas o consumir nas manhãs ensolaradas de sábado, na esplanada do costume frente à Ria Formosa.
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Já Pablo Neruda dizia ao seu carteiro que as palavras eram como os beijos. Deviam ser degustadas com suavidade. Sugadas com delicadeza. Também eu degustava o DNa com todo o esplendor, sugando cada um dos textos, naquele que se adivinhava um dos momentos mais agradáveis da semana. Saboreava-o com requinte, elevando aquele estranho instante de deleite ao expoente máximo da satisfação. Plenitude.
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Um dia destes quis acolher-me do caos frenético e descontrolado que me circundava. Abri o Público online na tentativa bem sucedida de me refugir na informação matinal. Dei com o "Obrigado, namoradas" do MEC, escrito em homenagem às celebrações dos apaixonados.
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Diz ele que "o amor é um castigo; é um desespero; é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos."
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E hoje nenhuma descrição me parece mais fidedigna. Hoje embriaguei-me ainda mais de música. Asfixiei-me de trabalho. Degolei-me de confraternização. Socorri-me de humor. Instiguei-me à ausência de pensar. Forcei-me à libertação e à alienação. Devorei-me de prazer num concerto solitário de Mazgani. Mas, apesar da azáfama que preencheu todos os minutos deste interminável dia, não consegui afugentar a brutalidade da incoerência que me vai mastigando.
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