Ouço-o e acato, indiferente aos que se exilam desta, supostamente desconcertante, intempérie. "Vai a ouvir música. Não se molha." Talvez seja a música o que me mantém a salvo das tempestades. Talvez seja o seu efeito o que me protege dos desalentos mais naturais do meio ambiente. Ou talvez seja apenas a certeza da sua inofensividade o que me faz desafiá-la, tranquilamente. Talvez nem a desafie. Talvez me limite a acompanhá-la.
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Gosto da chuva. Não sei se sempre gostei. Mas a verdade é que ela me ampara. É aconchegante. Companheira. Libertadora. Compreensiva.
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Gosto de andar à chuva. Sem medos. Sem pressas. Sem refúgios. Sem hesitações. Gosto de enfrentá-la de peito aberto com a ironia de quem tem garantida a vitória. Gosto de caminhar à chuva. Do prazer de deixar limpa tanto a pele quanto a mente.
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Gosto dos contrastes. De ver o mundo dobrar-se em si, aproximando a carne dos ossos para amolecer a rijeza do tempo. Das correrias desenfreadas na busca de abrigos. Da socialização absurda nas ombreiras das portas que acolhem os amedrontados.
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Gosto das sonoridades múltiplas que me ecoam nos tímpanos. Da calma apaziguadora dos passos incertos, mas tão ilusoriamente firmes, nas calçadas. Gosto de vagabundar à chuva. Escolho-o a qualquer outra opção. Porque nesse instante pareço existir apenas eu. Senhora de um universo anestesiadamente sereno.
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Pudessem todos os dias maquilhar-se com a luminosidade das estações ensolaradas aliada à água incessantemente a jorrar do céu.
3 comentários:
Amén...
Este texto fez-me lembrar do José L. Peixoto, deste texto que deves conhecer e que acho muito bom mesmo… aqui fica ele. Bjs.
“Encantar-te-ás com os poetas até conheceres um.
Com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.
As pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes. Querem
falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.
Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
São sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,
passam entre as gotas de chuva. Não por serem
mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.”
Muito bom, mesmo.
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