01 fevereiro 2010

limiar

Há dez anos, disseram-me pela primeira vez que, assim, eu não iria longe. Eu respondi que apenas assim chegaria a algum lado. Disseram-me que em nada adiantava lutar contra a maré. Que de nada servia lançar sopros contra tempestades. Que jamais eu mudaria o mundo. Que jamais venceria.

Nesse dia não baixei os braços. Ergui-os mais alto. Nesse dia não cessei guerras. Tive medo de que, se o fizesse, o mundo ruísse sem conserto. Achei que a liberdade e a justiça eram os únicos valores que justificavam uma luta. E abri-a em pequenos gestos. Aqueles que cabiam no apertar de uma mão, ainda imatura.

Há dez anos, retorqui. Se um dia tivesse de voltar costas à minha verticalidade, que fosse por um grande motivo. Não por boas notas na escola. Não por uma consequente entrada facilitada na universidade. Não por um posto de trabalho cujos fundos revertiam apenas para o meu divertimento. Não por um futuro que não sabia se teria.

Os anos passaram e eu julguei-me curada. Sabia agora que não mudaria o mundo. Se dei por findas as batalhas? Parece que não. Talvez seja uma ideologista. Talvez viva envolta em valores que já não existem. Talvez teime em acreditar. Talvez seja apenas uma sonhadora. Inconformada. Incompreendida. Iludida. Ou talvez seja apenas estúpida. Quem quer saber, afinal?!

Hoje os valores mantêm-se. A verticalidade é a mesma. Mas eu sou diferente. Ou deveria sê-lo. Já não tenho 15 anos. Já não ando no liceu. Já não organizo campanhas de recolha de fundos para Timor. Já não faço voluntariado com crianças e idosos. Hoje trabalho. Mais do que nunca, como é suposto. Hoje sou independente, como é suposto. Faço o que gosto e para o qual me formei, como é suposto. Mas não consigo parar de confrontar o mundo com o que julgo ser o correcto. Com o que eu acho que é correcto. E não consigo ser inteligente o suficiente para fazer o que me mandam sem misturar trabalho com integridade. Merda. Outra vez.

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