27 dezembro 2007

Loucuras

Voltei a casa e vasculhei gavetas antigas. Encontrei folhas gastas pelo tempo e esquecidas na imparável dinâmica da vida. Aqui ficam algumas delas.
Chamam-lhes loucos.
"Olha, lá vai mais um maluco", dizem em tom de indiferença.
Falam. Da mulher que vive na rua com dois carrinhos de supermercado atulhados de sacos de lixo e se faz acompanhar por um cão e uma galinha. Daquele que troca as favas, as couves e as cenouras por um prato de comida, por mais um copo de vinho, por um bilhete de futebol, por um cachecol usado. Da outra que dá milho aos pombos e fala sozinha. Daquele que anda descalço com uma sesta na cabeça. E ainda do tal que usa saia e vagueia pelos jardins. Falam deles. Dizem que são doidos. Tentam adivinhar, em conversa de café, as razões da sua loucura.

Loucos. Loucos somos nós. Nós, que temos como objectivo encontrar um emprego que nos permita comprar uma nova televisão panorâmica, um computador portátil e um telemóvel que sirva bicas.

Loucos somos nós. Nós, que estudamos durante o dia, trabalhamos até à meia-noite e dormimos no tempo que sobra. Nós, que não entendemos a beleza do céu, o cheiro do mar, a forma como voam as borboletas.

Loucos somos nós. Nós, que passamos horas em filas de espera para pagar a luz, a água, o telefone, a Internet. Para marcar uma consulta de urgência, para requisitar material na escola, para pedir o almoço na cantina.

Loucos somos nós. Nós, que cumprimos horários, seguimos rotinas, temos vergonha de ser diferentes. Nós, que continuamos presos aos critérios que a sociedade nos impingiu sem nosso consentimento.

Loucos. Loucos somos nós, estúpidos seres racionais dotadas de uma estranha sanidade mental. Loucos somos nós que caminhamos adormecidos a cada dia que passa.

Acordem. Abram os olhos. Acordem para a vida ou, pelo menos, virem-se para o outro lado.

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