Non, je ne suis
pas Charlie. Je ne suis pas Charb. Je ne suis pas Cabu. Je ne suis pas
Wolinski. Je ne suis pas Tignous. Je ne suis pas Oncle Bernard. Não sou,
definitivamente, o Charlie. Nem eu nem uns certos 90% dos que, nas últimas 24
horas, se despojaram de identidade para envergar a imagem do jornal satírico
francês, vítima de atentado. Je suis Charlie?! Deixem-me rir! Essa história não
é minha. Vous êtes Charlie?! Deixem-me rir! Essa história não é vossa.
Desenganem-se, meus caros! Nenhum de nós é o Charlie Hebdo. Porque
ser o Charlie não é elevar uma imagem numa capa que tem a dimensão efémera de
uma volta da Terra sobre si própria. Ser o Charlie não é uma explosão passageira
de revolta e indignação, iluminada sob os holofotes, sedentos e esfomeados, da
opinião pública, que amanhã se orientam para outro alvo. “Pois é, pois é, há
quem viva escondido a vida inteira”. Esses somos nós. E definitivamente, não
somos o Charlie.
Je suis Charlie. Mas depois visto a farda, aperto as
algemas, amordaço-me (ainda assim não diga o que penso) e encolho-me, num clima
de medo e opressão de onde nunca sairei totalmente viva, para arrecadar, lá
para os últimos dias do mês, um ordenado menos que mínimo, que me despeje de
dignidade. Eu sou o Charlie? Deixem-me rir!
Vous êtes Charlie. Mas depois balizam a informação consoante
as linhas do poder político e económico, ainda assim não chateie uns ou aborreça
outros. Mas não é por medo que se cortam linhas de texto ao toque do telefone. Não…
Não é por medo que se trocam manchetes, desaparecem entrevistas, se arredondam
factos. Não… A isso chama-se responsabilidade, consciência, sobrevivência.
Interesse! Vocês são o Charlie? Deixem-me rir! “Você nunca lamberam uma
lágrima.”
Seria o mundo o fosso de desumanidade como o conhecemos se
todos os que hoje envergaram a marca Charlie Hebdo o fossem de facto? Seria o mundo
um antro mais de ratos que de homens se todos os que hoje se cobriram com a
imagem do Charlie Hebdo se exprimissem tão livremente como ele?
Querem ser o Charlie? Então, revoltem-se. Ergam-se. Ajam. Mas façam-no com inteligência, com sabedoria, com empenho. E talvez, se começarem ainda hoje, em 45 anos possam envergar a tal imagem, sem que a mesma pareça ridícula e ofensiva. Até lá, tenham vergonha!
Querem ser o Charlie? Então, revoltem-se. Ergam-se. Ajam. Mas façam-no com inteligência, com sabedoria, com empenho. E talvez, se começarem ainda hoje, em 45 anos possam envergar a tal imagem, sem que a mesma pareça ridícula e ofensiva. Até lá, tenham vergonha!
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