18 fevereiro 2013

chão

Às vezes tropeço no silêncio da noite. Escorrega-se-me o chão de debaixo dos pés e pendem dos céus pedaços de chumbo negro, maciço e pesado. Esgota-se o espaço. Adensa-se o ar. Há escombros a excomungar-me as palavras, que cantam e dançam já sozinhas. Sem eco nem retorno, a solidão amarra-se-me em arame farpado à volta das mãos. Castiga-me.

As teclas roem sozinhas o papel que vai definhando. Mastigam letras sem ritmo, sem tom, sem som, sem cor, na ausência da afinação irrepreensível dos pianos. Preto e branco. Preto e branco. Preto e branco. Só preto e branco. Choram terra e oceanos. Cospem entulho e barbáries. E se os cães vadios me ladram indiferença à passagem eu mordo. Arregaço os dentes até se me ver a carcaça. Fujam agora.

E os poemas não compõem já melodias. Não escrevem música. Não iluminam. Não dão vida. São princípio sem fim, desencanto. São atalho sem porta de entrada. A magia passa e as promessas amarelecem, são erodidas, desgastam-se, desfazem-se.

Há amanhãs que se demoram, pendentes, desequilibrados. Madrugadas densas, enrodilhadas em si, submersas, renitentes. Há dias que morrem mais cedo. Há dias que morrem sem terem vivido. Há dias que morrem sem terem sido vividos. Tempo oco que tarda a esgotar-se. Tempo vazio que paira e atormenta, imóvel. Tempo que excede o tempo que tenho e o que tenho para fazer dele. Tempo crónico, viperino, venenoso.

Onde andas tu agora que não me achas? Ao que parece a perfeição é perecível.

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