As teclas roem sozinhas o papel que
vai definhando. Mastigam letras sem ritmo, sem tom, sem som, sem cor, na
ausência da afinação irrepreensível dos pianos. Preto e branco. Preto e branco.
Preto e branco. Só preto e branco. Choram terra e oceanos. Cospem entulho e
barbáries. E se os cães vadios me ladram indiferença à passagem eu mordo. Arregaço
os dentes até se me ver a carcaça. Fujam agora.
E os poemas não compõem já
melodias. Não escrevem música. Não iluminam. Não dão vida. São princípio sem
fim, desencanto. São atalho sem porta de entrada. A magia passa e as promessas amarelecem,
são erodidas, desgastam-se, desfazem-se.
Há amanhãs que se demoram,
pendentes, desequilibrados. Madrugadas densas, enrodilhadas em si, submersas,
renitentes. Há dias que morrem mais cedo. Há dias que morrem sem terem vivido.
Há dias que morrem sem terem sido vividos. Tempo oco que tarda a esgotar-se. Tempo
vazio que paira e atormenta, imóvel. Tempo que excede o tempo que tenho e o que
tenho para fazer dele. Tempo crónico, viperino, venenoso.
Onde andas tu agora que não me
achas? Ao que parece a perfeição é perecível.