O tempo tem vida própria sempre que nos apaixonamos. É dono
de si, súbdito insubordinado. É rebelde e marginal. Comanda os seus próprios
passos, altivo e imparcial. Mascara-se. Disfarça-se. Esconde-se. Desaparece por
entre as folgas do ar. E regressa, ainda mais poderoso e infame.
É mercenário e carrasco. Escorraça certezas e enclausura o
desejo. Afugenta os devaneios e enxota o equilíbrio. Encurrala a loucura. Aprisiona
a brandura dos sonhos. Saqueia-lhes a ingenuidade e a pureza, fervilhando
angústias. Serve de fôlego à agonia. De impulso ao sufoco. De trampolim à
insanidade.
O tempo é maquiavélico quando nos apaixonamos. É diabólico,
cruel, bárbaro. É como a guerra e a cólera e o medo. Temível. Destruidor.
Desprezível. Sucumbe à preguiça mas nunca fecha os dois olhos. Prega-se ao chão
e faz-se de morto, jogador adúltero. Mas acorda, venenoso, só para lembrar que é
ele quem nos algema.
O tempo é um louco indomável. É vagabundo e boémio.
Solitário e infiel. É instável, inconstante e volúvel. Faz o que quer e
arrasta-nos ao abismo. Sufoca e estrangula. Fere por dentro e arranha por fora.
Carcome devagar de um lado e do outro.
É doentio e vingativo. Se sobrevivermos à batalha ele ri-se,
soberbo e desprezível. E depois foge sem rédeas. E desfaz-se, frenético,
esquizofrénico e imparável. Criatura demente!
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