22 janeiro 2013

inverno

São as vestes negras a arrastar a noite pelo chão. O corpo a debruçar-se, já moldado às formas gastas do tampo de madeira. As velas que não tremem aos suspiros, habituadas que estão a ver passar a história à distância de um horizonte sempre demasiado curto. O ruído monocromático das teclas a encher de eco a densidade do ar. O mundo que corre entre pausas, no espectro mal iluminado que se estende para lá dos caixilhos da janela.

É a chuva a não saber hoje a chuva. A não ter dedos, braços longos, passos largos. É a chuva tímida e quieta. A desfazer-se em partículas ocas e flutuantes, sem deixar rasto. Como seria se cada uma das gotas fosse hoje de uma cor diferente?

É o céu sem dimensão. Uma massa cinzenta de indefinições. Baço e entediante, sem segredos para contar. Sem mistérios. É o céu despido de alma, nesta cápsula desordenada e sufocante. É um céu disforme e impotente, que assiste apático à passagem das madrugadas.

Mas há depois o vento. O vento. Selvagem, destemido, imparável. A envergonhar o silêncio. Senhor que clama vontades. Que grita a fúria, a ira, a raiva. Que chora tristezas em desespero. Que chega carpindo dores, combatendo fantasmas, libertando tenções. Há o vento a esbracejar, alvoraçado, intempestivo, em convulsão. Ruidoso. A encabeçar o motim. A liderar os tumultos. A coordenar as tempestades.

A trovoada vem e vai, vem e vai, vem e vai, sem se deter. Oferece-se e foge, sedutora. Diva. Brincalhona e trapaceira. Vem e vai. Como um miúdo mimado a exigir atenção. Quando entorpece adormece e cai em esquecimento.

Há do lado de lá da moldura árvores nuas a parecer esqueletos, que se agitam sem nexo neste baile mórbido, tardio e solitário. Calçadas sem tecto a cruzar caminhos momentaneamente neutros. Muros sem terra a erguer ilusões. Gente que dorme sem pressa. Gente que há-de acordar ainda adormecida. 

Quando abrir de novo a janela há-de ser primavera. 

2 comentários:

luís ene disse...

Gostei.
abraço

LiSa disse...

Abraço, Ene.