10 setembro 2012

língua

Conheceram-se no banco de um jardim, quando ela adormecera e ele a encontrara lá sozinha. Não falavam o mesmo dialecto. E pareciam não ter nada em comum. Ele vinha do Norte. Ela sempre vivera no Sul. Ele correra o mundo sem criar raízes. Ela sabia de cor o toque de cada uma das pedras da calçada que percorrera anos a fio. Ele gostava de igrejas. Ela das nuvens do céu. Ela fazia perguntas. E ele dava-lhe sempre respostas.
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Não falavam o mesmo dialecto. Mas ele contava-lhe histórias, inventava personagens, desvendava-lhe mistérios. Falava muito. E ela escutava. Escutava-o. Olhava-o em silêncio e sorria. Imaginava aventuras e romances, conceitos e verdades, escondidos por detrás de cada uma das palavras que não entendia. Ouvia o som da sua voz e sonhava. E ele sonhava com ela.
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Abraçava-a. E assim ficavam, aconchegados um no outro, sem tensões, sem desconfortos, sem falsas promessas ou vislumbres de futuro, como se sempre ali tivessem pertencido. Como se se conhecessem. Como se fossem metades iguais de um todo efémero. Como se o mundo que rodava lá fora fosse cenário de um conto que não lhes dizia respeito. Como se a vida começasse e acabasse sempre ali, naquele círculo perfeito.
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E depois conversavam e entendiam-se e completavam-se, em movimentos sincronizados, escravos e ditadores das mesmas vontades. Ele acompanhava-lhe os passos. Ela acompanhava-lhe os desejos. Quando os olhares se cruzavam, exilando fantasias, sabiam que, afinal, havia uma língua universal para onde poderiam sempre fugir. E fugiam. Fugiam juntos.
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Se as horas fossem já longe, ela fazia-lhe ovos e salsichas. Dividia o pão com as mãos. Descascava a fruta, que partilhavam em pedaços com os dedos. Ele abria uma garrafa de vinho. Comiam juntos, despreocupados, na bancada alta da cozinha. Como se o mundo todo coubesse entre aquelas quatro paredes.
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Mal a solidão apertasse encontrar-se-iam de novo, para deixar a vida e os outros do lado de lá das portadas e enganar o tempo.

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