16 março 2012

ar

E outra vez aquela claustrofobia incessante que me consome por dentro as entranhas. Que se apodera dos poros como o ar que hoje entra mais baço e pesado no vazio dos pulmões. Outra vez a aproximação ao abismo.

E outra vez aquela ansiedade mórbida que me enfraquece os membros. Que me atordoa a flexibilidade excessiva do pensar. Que me torna compulsiva e esquizofrénica. Que me envolve num silêncio fantasmagórico e assustador.

Outra vez o pulsar das vozes em sufoco. Em agonia. Em convulsão. Outra vez as vozes, múltiplas, cá dentro, a contorcerem-se. A manipularem-se. A gritarem ameaças que só se vão calando aos poucos, vãs e exaustas.

Outra vez as almas em guerra. Outra vez as mesmas almas. Outra vez neste duelo ingrato e desonesto, de onde nenhuma poderá sair vencedora.

Outra vez a necessidade de fuga. O fluxo de informação contorcida. A análise parcial e tendenciosa. Outra vez as preces que não se esgotam. Outra vez as preces que não surtem ainda efeito.

Outra vez as algemas que me deixam trôpegos os passos. Outra vez as mordaças que encerram em mim mesma os sons que já não grito. Outra vez o cansaço.

Quero o frio e a chuva a purgarem-me os medos e as ânsias que já não se escondem. Outra vez. Quero o vento a carpir-me as dores. Quero a calçada a desdobrar-se por baixo dos pés para me dar espaço. Quero ar.

Quero o meu sossego menos desassossegado. Quero o meu ruído interno mais inerte e silencioso. Quero a segurança das palavras certas. Quero lançá-las como flechas para o ponto exacto que te separa os olhos um do outro.

Quero apagado o frio que vive por dentro. Que se alastra. Que se vai expandindo. Que me mantém desperta quando quero adormecer. Que me agride quando acordo. Que me estremece.

Voltarei ao ponto de partida. Outra vez. Quando o próprio ar se esgotar nas ruas. Quando as súplicas que ecoam entre o peito e o crânio ficarem sem argumentos. Quando a exaustão roubar tempo ao conflito. Quando as pernas se cansarem de caminhar, solitárias, uma ao lado da outra para lugar nenhum. Quando os braços perderem a rigidez que os sustenta e as mãos se tornarem curtas para a profundidade dos bolsos. Quando os ombros estiverem já demasiado pesados para manterem a horizontalidade. Quando, já gasta, me fartar de ilusões e enganos. Quando, moribunda, me deixar pender. Aí, voltarei exactamente ao ponto de partida. Outra vez. Aí, voltarei a encontrar tudo precisamente igual. Como se eu não tivesse entrado. Como se não tivesse saído. Como se não tivesse entrado outra vez. Outra vez.

Mas aí, nesse instante, nesse preciso instante que apenas eu saberei que existe, estarei demasiado moída. Aí, deixarei a luta silenciosa e interna. Aí, esquecerei o abandono. Aí, cairei nos meus próprios braços. Aí, sem afectos, amparar-me-ei neles. E, no seu conforto gélido, deixarei passar. Outra vez. E fingirei que esqueço.

2 comentários:

JT disse...

Como sempre, a tua escrita é fantastica Lisa, tens um dom.

Espero que tudo esteja bem ctg?

LiSa disse...

Que exagero! Mas obrigado por voltares e estares atento.
Beijo grande.