02 março 2012

idades

A minha mãe tem hoje 56 anos. Hoje tem precisamente o dobro da minha idade. E eu não a acho velha. Quando naquela manhã cinzenta de Setembro de 89 tirei a fotografia do meu primeiro dia de escola, no passeio em frente à casa onde vivíamos, ela tinha pouco mais de 30 anos.

Nesse dia eu vestia uma saia de ganga com peitilho e uma camisa de manga comprida com um bordado na gola. Levava a mala azul-escura e vermelha presa às costas e faltavam-me os dois dentes da frente. A franja que me caia meticulosamente sobre as sobrancelhas estava, nesse dia, presa numa fita vermelha. Eu sorria. A minha mãe e o pai sorriam.

Nessa altura eu achava que eles eram velhos. Achava que eles sabiam tudo o que havia para saber. E que, numa outra altura, quando fosse velha, eu também o saberia. Achava que eles eram velhos e sábios. Como só os velhos o são.

Quando eu tinha pouco menos que metade da idade que tenho hoje discuti com os meus pais, nessa altura já mais velhos que antes. O meu irmão ia sentado ao meu lado, em silêncio, no banco de trás do carro e eu desatei a chorar. Queria ter amigos. Soluçava. Queria ter um grupo de amigos que viesse comigo para casa e que me ajudasse a descobrir a cidade para onde me haviam mudado. Queria ter um grupo de amigos que partilhasse comigo aventuras nocturnas e esconderijos secretos. Queria amigos que não desaparecessem com o toque final do sino da escola. Queria amigos dos quais não tivesse de me despedir antes de o autocarro me entregar na última paragem. Queria amigos que partilhassem comigo a solidão.

Nesse dia, o meu pai e a minha mãe, velhos e sábios, não gritaram comigo. Não se desculparam pela minha infelicidade. Não me pediram para parar de chorar nem tentaram acalmar-me as angústias. Não remendaram a minha ausência de vida social, anestesiada apenas pelo conforto do quarto, dos livros e das cassetes de música.

Olharam os dois pelo espelho retrovisor e, com a mesma suavidade com que haviam pintado a minha infância, explicaram-me:
- Lisa, é a primeira vez que temos uma filha pré-adolescente. Como é também a primeira vez que tu tens pais com uma filha pré-adolescente. Há coisas que nós ainda não sabemos mas aos poucos havemos de lá chegar. Percebes, filha?

E nesse dia eu percebi. Afinal, eles eram mesmo velhos. E sábios.

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