23 novembro 2011

tempestade

É quase sempre ao cair da noite. Quando cerro o mundo à ombreira da porta. Quando escondo o céu do lado de lá das janelas. Quando abafo a chuva no sufoco da almofada. Quando deixo entrar o suspiro deserto do vento.

É quase sempre assim. Quando o sol já nada tem para oferecer que não o frio. Quando as horas atrasam, já cansadas, o passar monótono das sombras. Quando até o ruído se aconchega, adormecido.

É assim. Entre a partida de um instante e a chegada imediata de outro. É assim. Entre o pulsar contínuo do sangue e a oxigenação forasteira dos tecidos. É assim que, vagarosamente, a carne se revolve por dentro. É assim que, em desespero, as entranhas se molestam por baixo da pele. É assim que o sal ultraja o silêncio vão dos soluços.

É quase sempre ao cair da noite. Quase sempre. Quando os pontos cardeais se desconjuntam, confusos. Quando as palavras que ouvi me soam já todas ao mesmo. Quando enumero incógnitas sem conseguir desmembrar anseios.

Trago a alma presa por um baraço ao canto dos olhos. E uma sensibilidade, áspera, rude, fraudulenta, a descoordenar-me a articulação dos sentidos. Trago a vista cansada deste horizonte sempre longínquo. E o esqueleto já gasto, decrépito e combalido, de tanto empurrar o ponto que marca a viragem.

Ao cair da noite. Quase sempre. Guardo a solidão só para mim.

1 comentário:

luís ene disse...

Lembrou-me algo que li de Baudelaire em O Spleen de Paris. O fim do dia como algo assustador.