03 março 2010

tempo

Há na cozinha da minha casa um relógio de parede. Redondo. Antigo. Sem qualquer beleza ou requinte. Não sei quando ocupou aquele lugar. Não sei sequer a hora exacta em que deixou de contar o tempo. Sempre o conheci assim. Parado. Imobilizado. Imóvel. Sem o tic tac da vida. Sem a rotina melancólica de todos os contadores de fracções de existência.
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Dou comigo a observá-lo vezes sem conta. Agrada-me saber que não mudará de postura sem a minha intervenção. Agrada-me constatar que, ao contrário do mundo e dos outros, ele continuará ali, inflexível à mudança.
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Nunca me atrevi a tocar-lhe. Parece tão majestoso! Mas não. É apenas um relógio de cozinha, idêntico a tantos, que um dia se cansou do ofício de lembrar às pessoas que nada acompanha a intemporalidade do sempre.
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Não penso aniquilar-lhe o ócio ou despromovê-lo. Não penso substituí-lo. Porque, no fundo, sei que é ele que, letárgico, me recorda que é este o meu abrigo - o recanto onde posso permanecer desvirtuada da influência das horas e dos seres.

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