Encontro regularmente as mesmas pessoas no sítio onde vou almoçar quando tenho demasiada preguiça para ir a casa. Tenho por hábito sentar-me na esplanada, na primeira mesa à direita da porta. Não que a vista dali seja melhor. Nem que o espaço se encontre mais abrigado das imprevisíveis vontades meteorológicas. Sento-me ali porque sim, sabendo que nos lugares ao lado se sentará sempre o mesmo grupo, sempre à mesma hora. São professores. Todos eles, sem excepção.
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Ouço-os repetir dia após dia as mesmas histórias, as mesmas situações, as mesmas conversas. Ouço-os discutir semana após semana os mesmos assuntos, os mesmos problemas, as mesmas dificuldades. Os putos, os pais dos putos, os amigos dos putos, as festas dos putos, as porras dos putos, as empregadas de limpeza, as fichas de trabalho, as fichas de avaliação. Sei que são professores. Novatos, na sua maioria. Sei também que à sexta-feira é o dia em que concedem a si mesmos o direito de comer um bolo à sobremesa. Aborrecem-me. Sobejamente.
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Basta olhá-los uma única vez para perceber quem é o líder. Basta observá-los uma única vez para perceber quem é o solitário, incompreendido e vitimizado, que tenta a todo o custo ascender ao posto hierárquico que cada um dos outros ocupa. Basta vê-los de soslaio para perceber que os restantes se limitam a manter os míseros lugares centrais, sem que daí advenha qualquer poder ou interesse.
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Entre eles há apenas um homem. Pelo menos deve ser o que indica aquele quadradinho do Bilhete de Identidade destinado à definição do sexo. Não me considero preconceituosa. Pelo menos de um modo geral. Não me abstenho, no entanto, do direito legítimo de não gostar de determinado tipo de pessoas. E faço-o precisamente pelas razões que, por norma, se apontam como ausentes de preconceito.
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Não gosto das pessoas pelas suas orientações. Escandaloso? Sejam elas de carácter sexual, cultural, religioso, político ou qualquer outro que sirva de pretexto para opções ou estilos de vida.
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Não justifico a minha inércia ao preconceito pelas amizades que tenho firmadas com heterossexuais, homossexuais, bissexuais, brancos, pretos, amarelos, católicos, ateus, muçulmanos ou defensores de modelos políticos mais ou menos entre a esquerda e o centro. Fazê-lo seria julgá-los como animais de estimação ou meros objectos decorativos da estrada da vida. Ridículo? Admito então: sou preconceituosa.
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Não gosto de bichas. Não gosto de gente mal definida. Não gosto daqueles que não sabem sequer o que são. Não gosto de pessoas espampanantes. Não gosto de pobrezinhos. Não gosto. Assumidamente. Não tenho paciência. Não gosto dos mal definidos como não gosto de gajas aparentemente tão doces como a baba de camelo nem de gajos aparentemente tão prestáveis quanto um lenço de assoar.
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Não gosto dos mal definidos. Como não gosto de quem não toma banho, de quem chama nomes aos idosos que conduzem a 15 km/hora no centro da cidade ou de quem me tenta passar à frente na fila da padaria, do quiosque e do supermercado. Não gosto dos mal definidos. Como não gosto de marisco, ovos estrelados ou canela nos pastéis de nata.
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Não gosto daquele mal definido em especial. Por oscilar entre o repúdio da sua visível condição e a inveja das colegas que nasceram com a sorte de ter um F no quadradinho do BI. E não, também não gosto das professoras. Havia entre elas uma que me era conhecida. Felizmente teve o bom senso de mudar de companhia e de local para almoçar.
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Aquele grupo aborrece-me. Tanto ou mais do que ter ficado sem música no período de almoço e ter gramado com as conversas, os risos e os lamentos alheios.
9 comentários:
És uma tonta, pois não? Parece que nem de ti, gostas... Mate-se!
Talvez seja realmente uma tonta, que oscila entre a lucidez e a ausência dela. Tal como todos os outros. A história do não gostar de mim é que não sei de onde surge.
No mundo dos outros.
Num espaço que, de facto, não te pertence.
Num mundo que não é teu, que erradamente julgas conhecer...
Num mundo que não te pertence mas que, infelizmente, com tamanha ousadia, tentaste invadir.
Num mundo que é, certamente, diferente do Teu.
Tu. No mundo dos outros...
Assinado: EU
Não sei se note prepotência ou arrogância. Não sei se as veja em mim ou em ti. Talvez nos dois.
Gostei da forma de escrita. Achei piada à essência do comentário. Lamento apenas a ausência de coragem para largar o anonimato.
Porque o anonimato não representa, de todo, ausência de coragem...
Unicamente por isso...
Atrevo-me a entrar novamente neste mundo que não me pertence: o TEU mundo.
Maria, simplesmente
A ausência de anonimato não passa pela presença de um nome. Talvez o meu nem sequer seja Lisa.
A ausência de anonimato implica a presença de uma história, de uma experiência, de uma vivência, do reflexo daquilo que somos, seja em palavras ou imagens. E desse TEU mundo não existe qualquer memória. O meu, com glórias e vicissitudes, por aqui vai passando, aberto a críticas e elogios, sem outras intenções que não este prazer tão egoísta.
Bem... estas trocas e baldrocas mais parecem uma brincadeira de gente supostamente adulta... mas afinal, o que é ser adulta, crítica,interactiva e responsável? Será julgar os outros sem pudor? Será ousar ferir e descurtinar sobre assuntos que não dominamos só porque acerditamos ter esse direito? Será a escrita tão somente o instrumento para tão má formação pessoal? Sim, porque apesar de bem escritos, os comentários são jucosos, indecentes e ousados, sem um pingo de dignidade... Serão desamores?...
Ana
Nunca disse que conhecia o mundo. Nunca disse que era dona de qualquer tipo de razão. Este espaço é reflexo disso mesmo. É apenas a minha visão do que me rodeia. Sem pretensões de alcançar ou vislumbrar verdades.
Há gente de quem não gosto. Se me fizeram mal? Não. Não gosto porque sim. Não gosto porque não tenho de gostar. Não gosto porque posso não gostar. Porque tenho esse direito e essa liberdade.
Se procuro ferir e magoar? Não. Se magoo mesmo assim? Lamento. Se alguém se sente ofendido? Volto a lamentar.
A vida não é deve ser levada tão a sério.
E por que serão os comentários tão jucosos e ausentes de dignidade? Porque o podem ser. Simplesmente.
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