Atravesso a passadeira vermelha. Passos largos. Descontraídos. Corpo hirto. Cabeça erguida. Altiva. Segura. Senhora de mim e musa dos outros. Sei que me observam. Deixo que o façam. Solto um sorriso matreiro, de quem sente no ar o desejo, fingindo não notar o seu odor. Não desvio o olhar e deslizo nesta aura de confiança.
Atravesso a passadeira vermelha como quem segura o mundo nos pés e o manipula à sua vontade. Atravesso-a rodeada de rostos em êxtase. Sei que me aplaudem. Que me invejam. Que se deixam encantar, serenos.
Atravesso a passadeira vermelha com ousadia. Sou elegante, mágica, única. E sei-o. Há flores espalhadas no chão que piso. Há um aroma a rosas que se expande no ar que respiro e me consome. Há um cenário de estrela criado para mim.
De repente, tropeço. Oscilo na minha resplandecência. Mancho-a com hesitação. Tiro os olhos do horizonte de brilho onde me fixo e para onde caminho. Sinto os pés a arrastar na passadeira. Passa o levitar com que me movia. Sinto os pés a arrastar na passadeira. Sinto-a ensopada pela chuva que teima em jorrar do céu. Está suja. As flores murcharam, enlameadas. E o requinte de rosas deu lugar ao cheiro da terra acabada de molhar. Os rostos viraram costas e partiram. Desiludidos.
A passadeira vermelha perdeu a altivez. Arrastou-me consigo. Nas ruas vazias de gente restou a podridão de uma cidade abandonada à madrugada escura e sombria. A plateia de fascínio desapareceu por completo, como se nunca ali estivesse estado. Foi substituída pelos sem-ninguém, vagabundos deles próprios, que apenas à tormenta pertencem. Silêncio. Volto a tropeçar e caio. Esfolo a alma de arrogância. Ergo a vergonha do chão. E acolho-me nos braços nus.
1 comentário:
As chagas curam-se sempre.
O problema são aquelas a que não chegamos.
Fica bem.
Já que nunca nos vemos:
Bom Natal...Bom Ano
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