02 dezembro 2015

castigo


O tempo que te dou, na ilusão de me pertencer, pesa-me mais que a ti. É mais demorado. Corpulento. Tem espinhas e caroços. Sabe a sal. É ácido e corrosivo. Mastiga-me, morde-me, espezinha-me.

Castigo-me na tentativa vã de te punir. Vítima e carrasco. E a balança da dor – termómetro efervescente da raiva – pende errante, desnorteada, descalibrada, tendenciosa. Acalco as minhas próprias cicatrizes. Realçam-se os medos que as levam à fossilização. Assentam na angústia. E firmam-se, obedientes, perpétuos.

Não verto lágrimas. Secaram-se-me por dentro no poço desmanchado do peito. As fendas reabrem, sem prazo para sarar. E o vazio, lotado de mágoas, é doloroso. Ocupa volume igual ao motivo da perda. E, por isso, eu perco. Perco sempre. Perco-me sempre no labirinto turvo do pesar. Vergo-me à agonia e mirro. Morro. Mas a amargura não se retrai. Sobrevive, desembaraçada, mutante, imune.

E a memória não me engana. Desembacia-se. Esfrega-se na brancura gélida para me deixar ver. Enfrenta-me, desafiadora. E se lhe levanto a voz ergue-se, altiva e dominante. Mutila-me. Fere-me a vista. Assalta-me os restos já mortos do sossego. Incita-me. Condena-me.

E eu anuo.

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