O tempo que te dou, na ilusão de me pertencer, pesa-me mais que a ti. É
mais demorado. Corpulento. Tem espinhas e caroços. Sabe a sal. É ácido e
corrosivo. Mastiga-me, morde-me, espezinha-me.
Castigo-me na tentativa vã de te punir. Vítima e carrasco. E a balança da dor – termómetro
efervescente da raiva – pende errante, desnorteada, descalibrada, tendenciosa. Acalco
as minhas próprias cicatrizes. Realçam-se os medos que as levam à fossilização.
Assentam na angústia. E firmam-se, obedientes, perpétuos.
Não verto lágrimas. Secaram-se-me por dentro no poço desmanchado do
peito. As fendas reabrem, sem prazo para sarar. E o vazio, lotado de mágoas, é
doloroso. Ocupa volume igual ao motivo da perda. E, por isso, eu perco. Perco
sempre. Perco-me sempre no labirinto turvo do pesar. Vergo-me à agonia e mirro.
Morro. Mas a amargura não se retrai. Sobrevive, desembaraçada, mutante, imune.
E a memória não me engana. Desembacia-se. Esfrega-se na brancura gélida
para me deixar ver. Enfrenta-me, desafiadora. E se lhe levanto a voz ergue-se,
altiva e dominante. Mutila-me. Fere-me a vista. Assalta-me os restos já mortos
do sossego. Incita-me. Condena-me.
E eu anuo.