09 janeiro 2015

non, je ne suis pas Charlie

Non, je ne suis pas Charlie. Je ne suis pas Charb. Je ne suis pas Cabu. Je ne suis pas Wolinski. Je ne suis pas Tignous. Je ne suis pas Oncle Bernard. Não sou, definitivamente, o Charlie. Nem eu nem uns certos 90% dos que, nas últimas 24 horas, se despojaram de identidade para envergar a imagem do jornal satírico francês, vítima de atentado. Je suis Charlie?! Deixem-me rir! Essa história não é minha. Vous êtes Charlie?! Deixem-me rir! Essa história não é vossa.
 
Desenganem-se, meus caros! Nenhum de nós é o Charlie Hebdo. Porque ser o Charlie não é elevar uma imagem numa capa que tem a dimensão efémera de uma volta da Terra sobre si própria. Ser o Charlie não é uma explosão passageira de revolta e indignação, iluminada sob os holofotes, sedentos e esfomeados, da opinião pública, que amanhã se orientam para outro alvo. “Pois é, pois é, há quem viva escondido a vida inteira”. Esses somos nós. E definitivamente, não somos o Charlie.
 
Je suis Charlie. Mas depois visto a farda, aperto as algemas, amordaço-me (ainda assim não diga o que penso) e encolho-me, num clima de medo e opressão de onde nunca sairei totalmente viva, para arrecadar, lá para os últimos dias do mês, um ordenado menos que mínimo, que me despeje de dignidade. Eu sou o Charlie? Deixem-me rir!
 
Vous êtes Charlie. Mas depois balizam a informação consoante as linhas do poder político e económico, ainda assim não chateie uns ou aborreça outros. Mas não é por medo que se cortam linhas de texto ao toque do telefone. Não… Não é por medo que se trocam manchetes, desaparecem entrevistas, se arredondam factos. Não… A isso chama-se responsabilidade, consciência, sobrevivência. Interesse! Vocês são o Charlie? Deixem-me rir! “Você nunca lamberam uma lágrima.”
 
Seria o mundo o fosso de desumanidade como o conhecemos se todos os que hoje envergaram a marca Charlie Hebdo o fossem de facto? Seria o mundo um antro mais de ratos que de homens se todos os que hoje se cobriram com a imagem do Charlie Hebdo se exprimissem tão livremente como ele?

Querem ser o Charlie? Então, revoltem-se. Ergam-se. Ajam. Mas façam-no com inteligência, com sabedoria, com empenho. E talvez, se começarem ainda hoje, em 45 anos possam envergar a tal imagem, sem que a mesma pareça ridícula e ofensiva. Até lá, tenham vergonha!