(a propósito das intoxicações no call centre da PT em Beja)
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Trabalhar num call centre da PT é a prova maior do meu fracasso. É a imagem reflectida no espelho da minha própria derrota. Falhei. Falhei como ser humano. Falhei como profissional. Falhei como sonhadora. Falhei, principalmente, como lutadora. Mas já não é vergonha o que sinto. Até a vergonha foi substituída nesta escalada de falhanços contínuos.
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Hoje o que sinto é revolta, é repulsa, é nojo, é ódio. E esse ódio é tão profundo que todas as palavras são insuficientes para o descrever. Falhei, é um facto. Falhei comigo própria. Quanto muito falhei com aqueles que investiram em mim. Mas só a mim e aos que depositaram em mim aspirações desiludi. Agora os outros...
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Não posso culpar o mundo, que ele chegou cá primeiro que eu. Não o posso culpar porque sou eu quem está em dívida. Mas posso, sim, culpar as gentes que o governam, que o ordenam fracassado, numa escala em tudo superior à da minha insignificância. Posso, sim, culpar patrões sem escrúpulos. Posso, sim, culpar governantes sem olhos. Posso, sim, culpar, um país sem rumo, desgovernado, impune.
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Culpo, sim, quem me trata como um número. Culpo, sim, quem me controla, a vermelho, sem me comandar. Culpo, sim, quem me exige um destino sem me orientar a viagem. Culpo, sim, os filhos da puta que me escravizam, que me exploram, que me humilham.
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Culpo-os porque me fecham numa sala com centenas de seres cada vez mais desumanizados mas a enfeitam com o melhor que a tecnologia oferece. Ao menos aqui há ar condicionado! Ao menos aqui eu adoeço com o ar condicionado e não com o vento frio e a chuva. Ao menos aqui há equipamentos modernos como head sets, telefones e computadores e o contacto é indirecto! Ao menos aqui perco audição e visão com head sets, telefones e computadores e não com a voz estridente e o bafo a tabaco e café dos clientes. Ao menos aqui fazes desporto porque um elevador gasta mais que 25 frigoríficos! Ao menos aqui emagreço porque perco o tempo para comer a chegar à cantina. Ao menos aqui pagam-te! Sim, ao menos aqui pagam-me. Mal. Muito mal. E com uma parte considerável num cartão de refeição para gastar num circuito que eles, os filhos da puta, controlam. Ao menos aqui os bichos são pequenos! Sempre é melhor ser picado por piolhos de pombo do que mordida por vacas. Sempre é melhor sofrer intoxicações do que ser picada por piolhos.
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Mas hoje sinto-me também agradecida. E o agradecimento é quase do tamanho da revolta, da repulsa, do nojo e do ódio. Agradeço os 11 meses que trabalhei sem férias. Agradeço-o porque foram eles que me salvaram nos últimos dias das dezenas de intoxicações ocorridas no imponente edifício, pólo de desenvolvimento e empregabilidade na região.
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Talvez este seja, no fundo, o pensamento estratégico que é agora exigido às empresas. Ainda que trabalhadores precários, o seu despedimento em massa poderá causar uma má imagem à grandiosa PT. Mais vale matá-los, que assim não se queixam. O infortúnio é sempre mais silencioso do que a agitação. Genial.
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A pseudo-Autoridade para as Condições de Trabalho esteve no local no sábado mas no domingo as portas abriram para receber os felizes sobreviventes. Hoje a situação repetiu-se, com dezenas de internamentos, mas amanhã ou depois as portas reabrem.
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Até quando ficará esta corja impune?
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