A certeza é um bicho doente,
incoerente, esquizofrénico, bipolar, demente. Não tem alma nem razão. É
vagabunda, viajante, turista, passageira. É um animal assustado, que vai e vem,
vai e vem, sem ficar, sem se reter, sem se deter. Cria caruncho e salitre
debaixo da pele. Incha. Empola. Inflama. Esventra, esburaca e aloja-se quando
chega. Arranca carne quando parte. E quando parte é sempre de repente, sem
aviso prévio, sem margem de segurança que me permita proteger-me.
Deixa-me sempre abandonada.
Trai-me. Chicoteia-me. Arranca-me pela raiz como a uma erva daninha.
Fragiliza-me. Puxa-me o chão. Deixa-me os membros à vontade do vento e o peito
entregue à tempestade. A certeza: bicho execrável. Que envenena, que embebeda,
que mata lentamente, à velocidade oscilante dos seus avanços intempestivos e
das fugas irracionais.
Faz-me estremecer. Traz o frio de
volta às entranhas. Implanta-o, ainda embrião, e fá-lo crescer. Alimenta-o.
Acaricia-o. Depois despe-me. Faz de mim esqueleto, vazio de promessas, sedento,
faminto. Quando me ergo derruba-me. Quando caio pontapeia-me. Estende-me a mão,
forasteira, vadia e mentirosa. Abraça-me o tronco, levanta-me o peso, faz-me
levitar, para me afogar no abismo das minhas inseguranças. Uma e outra vez. Uma
e outra vez. Uma. E outra vez.
Desmantela-me. Destroça-me. Arruína-me.
Arreia-me as âncoras. Faz-me perder o norte, o rumo, o sentido. Comanda-me como
a um fantoche. Faz de mim o que quer. Manipula-me. Possui-me. Domina-me.
A certeza: essa meretriz,
prostituta, galdéria, mulher da vida. Alcoviteira. Altiva, imponente,
convencida. Puta. Vendida. Que vai e vem. Vai e vem. Sem se deter.