Fecho os olhos e lá estás. Consigo ouvir-te a invadir, de
mansinho, o silêncio. Consigo ouvir-te a embalar-me. A envolver-me os medos e
as agonias num tecido de veludo. A sufocá-los sem dor ou tumulto. A arrancá-los
de mim sem deixar vazio.
Consigo ouvir-te a reinventar-me os sonhos. A escrevê-los em
forma de música. A dar-lhes tom e ritmo. Balanço. Compasso. E fôlego. E ânimo. E
asas. Consigo ouvir-te a levá-los para longe. A inverter a viagem que os separa
da realidade.
Ouço-te ainda baixinho. Os dedos ágeis. A dança. A rua a
afunilar-se até só existires tu. A imagem desfocada de tudo o que se estende
para lá da moldura. O frio a derreter-se a cada uma das notas. O calor que se
adensa por dentro. A alma a libertar-se do corpo e a abandonar o chão. A
leveza. Flutuo. O mundo como o conheço a refugiar-se e a dissolver-se. A paz.
Já não estou onde me deixaram. Não cheguei sequer a fugir.
E enquanto tocas desenhas magia no ar. Enfeitiças-me. E eu
voo. Voo. E há fantasia. E sedução. E mistério. E curiosidade. E imaginação. E chamas. E fogo.
E eu ardo e embarco na jornada.
Quem és tu? Não pares. Dá-me vida.