16 junho 2012

lixo

Era o cheiro a sujo e a podre. A náuseas e a vómito. O cheiro a lixo e a mijo. O odor pestilento a decadência e hostilidade. O fedor a desalento, abandono e solidão.

E as moscas. As moscas a poisarem-me no corpo como se me conhecessem. E eu a afastá-las. Odeio moscas. E elas a mostrarem que são mais e mais fortes. E que não me largam. E eu já sem força para sacudi-las dos braços, das pernas e do rosto. E a raiva e o cansaço. E a irritação. E elas a circundarem-me como se, ali, também eu cheirasse a sujo, a podre, a vómito, a lixo e a mijo. Como se também eu ali estivesse, enclausurada entre os becos imundos e o vazio de esperanças. Como se também eu viesse para ficar. Como se também eu esperasse a morte lentamente.


E os vagabundos a olharem-me com ar de fome. E eu a olhá-los com ar de nojo. E os outros a passarem-lhes, brandos, ao lado. E eu a vê-los já sem espanto. Eu a perder na calçada os valores e a carregar as angústias na lentidão pesada dos passos. Se ao menos ainda me sorrissem. Se ao menos me agradecessem o cigarro que também me escasseia na onça. Se ao menos baixassem a voz.


Não quero saber do filho que tens sem leite em casa. Não quero saber. Quererás tu saber dos meus? Deixa-me em paz! Não me interessam as maleitas que trazes no corpo pobre e molestado. Não quero vê-las. Sai-me da frente! Não quero olhar-te nos olhos e saber que mentes. Estou farta de gente egoísta e ingrata. Estou farta de ti e dos outros. Não, não tenho dinheiro. Sai-me da frente! Não fales comigo! Hoje não quero saber de lamentos.


E o frio. O frio que vive por dentro a estilhaçar-me as verdades e a trazer-me as dores à superfície baça dos olhos. E uns e outros, em campos opostos, a dizerem-me tudo o que já sei. E o pranto a que me entrego quando mais nada parece querer acolher-me os membros.


E a segurança, ainda desconcertante, de me saber sem certezas.

5 comentários:

Anónimo disse...

Conhecia de longe a tua escrita. Não a fazia já tão amadurecida, porém. Fiquei de queixo caído de espanto e desconcerto ao tomar consciência que ainda não tens um livro teu. Quero lê-lo quando se fizer notícia e quero ter orgulho em dizer aos meus filhos: "eu já fiz dueto com ela".
Faz um favor ao mundo e publica!

Beijinhos,
Mónica Loureiro

LiSa disse...

Oh, Mónica, obrigado pelo incentivo mas esse não é, para já, um objectivo. A escrita funciona de modo terapêutico, para que liberta o peso que tantas vezes me sufoca a alma.

Beijo grande e OBRIGADO ;)

Isabel disse...

A tua escrita está de facto cada vez melhor. Gostei muito do texto ;)

Anónimo disse...

Adoro ler te...
Beijinhos,
Priss

LiSa disse...

Um obrigado gigante a todas. ;)