Gostava de protegê-los. Gostava de resguardá-los sob o aro de um guarda-chuva gigante. Gostava de ter muitos braços. Gostava de ter muitos braços compridos. Gostava de ter dedos longos. Gostava de conseguir agarrá-los a todos ao mesmo tempo. Gostava de encostá-los ao peito. Gostava de ter ombros grandes e costas largas. Gostava de me sentar e tê-los no colo. Gostava de os aconchegar. Gostava de os embalar. Gostava de lhes pousar a mão sobre a cabeça, certa de que assim manteria longe as intempéries. Certa de que assim cessariam as torrentes e as tempestades.
Gostava que não errassem. Gostava que os erros não ferissem. Gostava que as feridas não trouxessem dor. E gostava que a dor não se arrastasse a toda a superfície da alma.
Gostava de não renunciar à imparcialidade. Gostava que o mundo se mantivesse compartimentado em gavetas, etiquetadas sem equívoco. Gostava que a linha fosse recta e o percurso linear. Gostava que as regras fossem cegas e as decisões definitivas.
Se assim fosse hoje não te ouviria chorar em desespero. Se assim fosse hoje não te veria as entranhas revolvidas e as certezas debilitadas. Se assim fosse não te sussurraria que erraste ao ouvido, assim baixinho, a medo, em tom doce e intimidado. Se assim fosse não te diria que és apenas humano e que todos os humanos cometem falhas. Se assim fosse não desejava, de forma tão ardente, que o tempo corresse depressa para que as angústias dessem lugar à dormência e essa à tranquilidade. Se assim fosse não me sentiria também eu vazia.
Parece que os afectos vão sempre roubar espaço às convenções. E ainda bem que assim é.