05 novembro 2015

carência


Falta-me a força na ponta da caneta. Falta-me agilidade nos dedos. Falta-me motivo nas letras. Faltam-me naufrágios. Turbulência e distúrbios. Falta-me o ruído. O risco. O desconcerto. O desencanto. O desalento. O desconforto.
Falta-me a falta de Norte. A ausência de fronteiras. O mar agitado. O desassossego. Faltam-me descolagens sem cinto. Travagens bruscas. Atracagens atribuladas. Falta-me a estrada e as esquinas. Sobra-me o ócio.
Faltam-me náuseas e nódoas negras. Faltam-me dores e lamentos. Faltam-me problemas diferentes para as mesmas soluções. Falta-me a falta que me fazia o que está longe. Falta-me o ar.
Falta-me vontade quando me sobra tempo. Sobra-me cansaço quando me falta inquietação. Foge-me o desconsolo. Assenta-me a letargia. E eu mirro. Afundo-me no assento cavado deste sofá, já moldado à minha figura. Copio e colo. Copio e colo. Copio e colo.
Assisto à passividade mórbida do curvar metódico dos ponteiros. Acompanho a lentidão. Encosto-me. Encolho-me. Deixo-me talhar. Sou filtrada. E o que se separa esvai-se no fumo corrupto de mais um cigarro. Desaparece.
Falta-me a falta dos outros algemada à minha própria ausência. Falta-me a fome. Falta-me a sede. Falta-me a míngua. Falta-me a saudade. Falta-me o medo.
O mundo cresceu. Não me cabe nos braços. Falta-me lembrar-me que o quero perseguir. Falto em mim.