Dizem que sim. Sublinham que não.
Ordenam que faça. Informam que não deveria ter feito. Avisam que é agora. Reclamam
que foi tarde. Relembram que é cedo. Apresentam gráficos. Baseiam-se em experiências.
Apontam historiais. Rasuram percursos. Elaboram mapas. Mostram indicadores.
Indicam consequências. São claros. E coerentes. E racionais. E lineares. Mas
são muitos. Têm muitas vozes. E falam todos ao mesmo tempo. E atropelam-se. São
bichos irrequietos. Eu ouço. Mas não ligo. E, ainda assim, são incapazes de
sossegar.
Então e se se calassem, ó criaturas
persistentes?
Às vezes falo sozinha. Às vezes
falo comigo. É que falar sem plateia pode levar a um diagnóstico precoce de
loucura e esta parece-me uma forma inteligente de contornar os sintomas
iniciais. Para além disso, falar comigo não é bem o mesmo que falar sozinha. É
antes enfrentar uma multidão de rostos iguais ao meu mas que envergam
expressões faciais distintas. Muitas delas que desconheço.
Falar comigo poderia ser o mesmo
que falar sozinha. Mas não é. Está longe de ser um monólogo. É um circo de
gente demente, disfuncional e anti-social, que se aglutina em raiva e ergue a
voz. Que entoa palavras de ordem desordeiramente, desordenadamente. Que empola tensões
e grita e esbraceja e ameaça com respostas a perguntas que nem sequer formulei.
O problema é que neste hemiciclo de alucinados não há espaço para moderadores.
Então e se se calassem, ó criaturas
irritantes?
Às vezes falo comigo em voz alta.
Escutar a materialização dos vocábulos fá-los parecer menos absurdos,
parece-me. Confere-lhes alguma ordem. Dar-lhes uma forma que é sonora, e tem
tom e timbre e ritmo, afasta-os da clausura. Afasta-me a mim da insanidade.
Parece-me. Dá-me uma certa sensação de poder, superioridade, autoridade. Sinto-me
maior. Mais forte. E agora, como é, que falo eu mais alto? Mas as criaturas
histéricas e desequilibradas continuam a lançar-se contra os ossos do crânio em
debandada, inutilizando o meu próprio ruído.
Então e se se calassem?
Mas não. Não se calam. E a mim não
resta saída senão dar-lhes ouvido. Apregoam as convenções que se deve valorizar
a igualdade de oportunidades. Que assim seja, então. Uma de cada vez. Uma de
cada vez, já disse. Assim, hoje digo que sim. Amanhã que não. Hoje faço. Amanhã
lamento ter feito. Hoje conformo-me com o agora. Amanhã reitero ser tarde.
Depois hei-de defender ser cedo.
Pode ser?