12 outubro 2013

monólogo

Dizem que sim. Sublinham que não. Ordenam que faça. Informam que não deveria ter feito. Avisam que é agora. Reclamam que foi tarde. Relembram que é cedo. Apresentam gráficos. Baseiam-se em experiências. Apontam historiais. Rasuram percursos. Elaboram mapas. Mostram indicadores. Indicam consequências. São claros. E coerentes. E racionais. E lineares. Mas são muitos. Têm muitas vozes. E falam todos ao mesmo tempo. E atropelam-se. São bichos irrequietos. Eu ouço. Mas não ligo. E, ainda assim, são incapazes de sossegar.
 
Então e se se calassem, ó criaturas persistentes?
 
Às vezes falo sozinha. Às vezes falo comigo. É que falar sem plateia pode levar a um diagnóstico precoce de loucura e esta parece-me uma forma inteligente de contornar os sintomas iniciais. Para além disso, falar comigo não é bem o mesmo que falar sozinha. É antes enfrentar uma multidão de rostos iguais ao meu mas que envergam expressões faciais distintas. Muitas delas que desconheço.
 
Falar comigo poderia ser o mesmo que falar sozinha. Mas não é. Está longe de ser um monólogo. É um circo de gente demente, disfuncional e anti-social, que se aglutina em raiva e ergue a voz. Que entoa palavras de ordem desordeiramente, desordenadamente. Que empola tensões e grita e esbraceja e ameaça com respostas a perguntas que nem sequer formulei. O problema é que neste hemiciclo de alucinados não há espaço para moderadores.
 
Então e se se calassem, ó criaturas irritantes?
 
Às vezes falo comigo em voz alta. Escutar a materialização dos vocábulos fá-los parecer menos absurdos, parece-me. Confere-lhes alguma ordem. Dar-lhes uma forma que é sonora, e tem tom e timbre e ritmo, afasta-os da clausura. Afasta-me a mim da insanidade. Parece-me. Dá-me uma certa sensação de poder, superioridade, autoridade. Sinto-me maior. Mais forte. E agora, como é, que falo eu mais alto? Mas as criaturas histéricas e desequilibradas continuam a lançar-se contra os ossos do crânio em debandada, inutilizando o meu próprio ruído.
 
Então e se se calassem?
 
Mas não. Não se calam. E a mim não resta saída senão dar-lhes ouvido. Apregoam as convenções que se deve valorizar a igualdade de oportunidades. Que assim seja, então. Uma de cada vez. Uma de cada vez, já disse. Assim, hoje digo que sim. Amanhã que não. Hoje faço. Amanhã lamento ter feito. Hoje conformo-me com o agora. Amanhã reitero ser tarde. Depois hei-de defender ser cedo.
 
Pode ser?