27 maio 2013

ruína

Trago o mesmo nervosismo crónico e irrequieto a espremer-me a carne entre as costelas, a encarquilhar-me os ossos entre os ombros e o pescoço, a fazer o desconforto transpirar-me em escombros pelos poros da testa e a enterrar-me o medo na fragilidade revoltada do estômago.

Tenho os pés frios, dormentes, pesados, a combater a morte com embates ritmados no chão. E os dedos trémulos, descontrolados, numa agitação próxima da epilepsia. Agarro-me à caneta com a mesma fúria com que me agarraria à vida, se pudesse, para, com desmazelo e desassossego, libertar de mim o ódio.

E ele escorre-me pelas frestas entre as palavras que gritam em silêncio, no sufoco agonizante que é ter o corpo vazio de alma e o buraco dos olhos a salivar amarguras. O suicídio é um acto repetitivo, talhado pela mecânica rotineira do quotidiano.

Perdi a conta aos pontos de chegada que tornei de novo partida, na débil ilusão de enganar o destino e de lhe dar os calos a sentir. Se a estrada não me falta debaixo dos passos é porque o cansaço não derrubou a demência. Ainda.

Não me recordo dos nomes nem dos porquês a que devem ter dado resposta. Não sei como chegaram nem em que momento se foram. Gente anónima que um dia se deitou a meu lado, sem adormecer. Gente sem rosto a quem pedi que me lambesse as feridas entre as lascas que se iam soltando da solidão. Gente de quem não cheguei a ter saudade.

Se procurei o amor entre o suor não foi por engano. Como não foi também por equívoco que abandonei o esqueleto na ligeireza das mãos dos outros. E se é o fumo amargo a vaguear hoje pelas ruínas deste cadáver é por ser ele o único capaz de me acomodar as dores.