Às vezes dói.
Acho que era segunda-feira. De certeza que era segunda-feira. Perco sempre
à segunda-feira. Perco horas de sono. Perco tempo. Perco a paciência. E esta
semana perdi beijos. Uma quantidade ridícula deles. E se há coisa que, em
circunstância alguma, se deve perder são beijos. Beijos. Porque perder beijos,
deixá-los escapar sem razão, abandoná-los sem nexo é perder pedaços de vida. E
pior do que perdê-los assim avulso é esbanjá-los aos pares, como se fossem
infinitos, ilimitados, prescindíveis. Se há coisa que me irrita é a estupidez.
Podia tê-los soltado ao de leve, pelo canto esquerdo dos lábios, metade
assimétrica que roça suavidade em pele que não é minha. Os beijos entregues aos
pares começam sempre do lado esquerdo. Ainda assim, estou certa de que
voltariam. Ou podia tê-los cravado, redondos, cheios, fartos, no meio das
bochechas. Um de cada vez. De um lado e do outro. Com risos a desapertarem-se,
sonoros, do espaço morno que fica vago entre a carne. Também eles voltariam.
Mas não. Claro que não!
Os beijos que perdi morreram sem história. Foram beijos perdidos no ar.
Beijos que perderam, também eles, a alma. Beijos que escaparam sem vontade,
oprimidos, e que foram lançados já sem norte. Beijos condenados. Beijos
moribundos. Beijos que ficaram pendentes na ausência de afectos. Beijos que
sucumbiram à vala entre dois corpos.
Assim perdi seis dos meus, em três rostos diferentes, na segunda-feira
passada. Lamento-o. Fazem-me falta. Todos os beijos me fazem falta. Porque são
eles equilíbrio, balanço, simetria. Paralelismo, harmonia. Porque não há beijos
sós. Não há beijos sozinhos. Porque, ainda que singulares, não são criaturas
ímpares. Todos eles têm metades iguais com quem se cruzam uma única vez. Sempre
que um beijo se liberta há um outro, gémeo, que se cola ao peito. E é por esse
instante efémero que todos eles esperam uma vida inteira. Desperdiçar beijos
devia ser crime.
Sofro hoje de um défice desmedido de beijos. O saldo negativo tem o peso de
algemas agarradas aos pés. A dimensão da carência faz os músculos minguar entre
os ossos. E se a rigidez se instala nunca mais o corpo é vivo. Se a matemática
não me mente existe algo a que chamam o fenómeno mágico da multiplicação. Um par
de bocas desta vez. Um par de línguas. Dois pares de lábios. Encaixam-se,
contorcem-se, ajeitam-se. Beijos demorados. Beijos quentes. Beijos doces.
Beijos gordos. E aí, sim, de uns nascem outros, sedentos mas sem pressa, a
matar a fome.
Pode ser?