Há mais céu de onde olho a ausência de mundo. Há mais
estrelas e mais lua. Há mais ar, mais espaço, mais tempo. Mais quietude, mais
sossego. Mais silêncio. Há mais silêncio. Há sigilo. E paz. E cumplicidade. E
horas que passam sem pressas ou afogos.
Há a noite só para mim. Sem tensões ou desconfortos.
Há mais de mim dentro do que sou. Aqui. Tenho-me a mim mais
perto de me conhecer. Mais perto de mim. Tenho-me a mim a respirar comigo, simbiótica.
Tenho-me a mim a sentar-se no mesmo chão e a escutar-me na fuga desgovernada dos
vocábulos. Há mais de mim a ocupar o lugar vago entre os poros. Há o descanso do
corpo, saciado, entregue à liberdade ilimitada da alma. Há mais aqui.
Sou eu em mim e eu comigo.
Há as ladeiras a desenrolarem-se e a indicar-me o caminho. A
sussurrarem súplicas e afectos. A desvendarem refúgios e a guardarem segredos. A
saberem já de cor o som dos meus passos.
E as travessas a conhecerem o embate dos meus pés carregados
de sonhos sobre a calçada. A receberem-me sem defesa ou resistência. E eu a
deixá-las invadir-me. A deixá-las conduzir-me, sem rumo, destino ou obrigação.
Há a madrugada tardia a libertar-me de dentro a densidade
dos suspiros. A criar vento e eco. Vento e eco. E o ar a entrar-me quente nos
pulmões e a purgar-me as angústias que sobram. E a levá-las para longe de mim,
sem deixar saudade.
É a vista a perder-se na imensidão limitada da cidade
deserta. A consumi-la. A degustá-la. A sugar-lhe o prazer e a sensualidade. E a
mente, essa, rejuvenescida e a lançar-se, com calma, na aventura da descoberta.