Nunca teve hora marcada nem data prevista. Nunca figurou no calendário assinalado das vivências. Nunca foi tido como pressuposto, encontro ou compromisso. Não foi agendado, moldado ou encaixado no balde das vontades assumidas. Nunca se tornou rotina mas acabou por adquirir o estatuto de hábito.
Foi assim, simples, como o são todas as coisas simples. Como um prazer cómodo que se conquista sem esforço e se mantém sem batalhas. Como um deleite fácil que, no anonimato, retira aos dias a efemeridade, tornando-os recordáveis.
O ciclo contínuo do tempo deu quatro voltas perfeitas desde que o ano arrancou. Desde que cruzámos a viragem de desejos e intenções. Desde que assumimos, como tantas outras vezes vãs, a mudança como ponto de partida. Nessas quatro voltas, deixei que o sol se erguesse perante o olhar. Deixei que lambesse por dentro os restos de sal. E se apresentasse como sinónimo de novas oportunidades. E ele, modesto mas tirano, não me desiludiu.
Voltarei a entrar com o lote de degraus já contados, empurrando a porta que sei já que não fecha. Voltarei a servir-me sem pudores. Voltarei a entregar as esperanças ao céu nas noites estreladas da varanda. Voltarei a acomodar as ancas entre outros corpos no sofá e a cobrir os membros no aconchego das mantas e da companhia. Voltaremos às pausas democráticas. Aos planos em constante ebulição. Aos risos descontrolados. Às histórias do passado. E às angústias do presente. Voltaremos a adormecer em doses desiguais. E a partir, agora em doses mais idênticas, sempre que o tempo vai longe.