24 março 2014

egoísmo

Choro às vezes a inquietação. Quando os outros arrastam os pés e a míngua no chão. Grito insatisfação, sabendo-me já satisfeita. Faço do trabalho maleita. E da utopia da solidão comunhão. Vejo gente na rua, murmurando agoniada. Ou lambendo tristezas à ombreira da porta constantemente cerrada. Vejo pobreza envergonhada. E finjo não perceber.

Ameaço o vazio, nos ataques afoitos do silêncio. Estremeço por dentro. Trago ingenuidade nos braços e descontentamento na alma, quando faço do mundo fantasia e fecho os olhos à desgraça.

Choro às vezes inconformismo. Quando choram os outros a dor. Falo dos males da mente, de desilusão e desamor. Mas que sei eu de angústia ou de medo?
Vejo gente a morrer por dentro, já moribunda por fora. Inalo o fumo de mais um cigarro e finjo fazer das minhas batalhas vãs glória.
Lamento um amanhã que há-de chegar igual. Lamento as viagens que só faço nas linhas do papel. Lamento o meu próprio lamento. Porque exibo revolta nos olhos e os outros cicatrizes na carne, fome na boca e doença no peito.
Não sei da rudeza da vida porque dela nada conheci. Sei de sonhos, imaginação e magia. Sei, sim, de fantasia. Ainda assim, vagueio sozinha, sofro males que ali não estão - um ser ridículo a enfrentar inimigos de cartão.
Às vezes choro anseios e frustrações. Invento tumultos. Mas que mais sou eu que um bicho egoísta, narcisista e inculto, certo de já nada querer saber?